Marinha está a lançar a “pegada acústica” para tornar o Guadiana navegável até Mértola

A náutica turística e de recreio já chega a Alcoutim, mas os veleiros não conseguem subir o Guadiana. O rio está assoreado e os cais degradados – navega-se às cegas em águas mansinhas mas, às vezes, perigosas.

Foto
Já se navega em segurança até Alcoutim desde Dezembro de 2015 enric vives-rubio

Dentro de uma semana, o Instituto Hidrográfico (um dos braços da Marinha para a área científica) terá concluído o levantamento do fundo do rio Guadiana no troço entre Alcoutim e Pomarão. Mas o objectivo, diz o presidente da Câmara de Mértola, Jorge Rosa, é mais ambicioso: “Criar as condições para que os veleiros cheguem, com segurança, da foz [Vila Real de St.º António] até Mértola”. O projecto transfronteiriço que está em curso — Guadiana Património Natural Navegável — destina-se a reabilitar uma via marítima, que tem muitas estórias para contar e surpreender.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Dentro de uma semana, o Instituto Hidrográfico (um dos braços da Marinha para a área científica) terá concluído o levantamento do fundo do rio Guadiana no troço entre Alcoutim e Pomarão. Mas o objectivo, diz o presidente da Câmara de Mértola, Jorge Rosa, é mais ambicioso: “Criar as condições para que os veleiros cheguem, com segurança, da foz [Vila Real de St.º António] até Mértola”. O projecto transfronteiriço que está em curso — Guadiana Património Natural Navegável — destina-se a reabilitar uma via marítima, que tem muitas estórias para contar e surpreender.

As águas correm de mansinho, a lancha da Marinha está parada. A tenente Catarina Nunes faz a clássica saudação: “Bem-vindos a bordo”. A brigada hidrográfica da Marinha avança pelo Guadiana prosseguindo mais uma etapa da operação que decorre há cerca de um mês: levantamento topo-hidrográfico do troço do rio compreendido entre Pomarão e Alcoutim.

A coordenadora da equipa hidrográfica, Catarina Nunes, explica os métodos desta missão da Marinha com recurso a tecnologia de ponta. A recolha de imagens é feita por um sistema de alta resolução multifeixe, através de sondas, por impulso acústico. “Uma pegada acústica”, ilustra. À medida que a embarcação avança, surge nos ecrãs dos computadores a vista geral do fundo do rio a três dimensões. A profundidade é revelada em tempo real, através do software que tem um algoritmo que fornece a informação, necessário à elaboração de uma carta náutica. Nas actuais condições do Guadiana, admite, um marinheiro menos conhecedor do meio arrisca-se a ficar com o barco encalhado. “Já encontrámos duas embarcações afundadas”, acrescenta o capitão-de-fragata António Peiriço, chefe da brigada hidrográfica. Há cerca de cinco anos, em 2012, o Instituto Hidrográfico já tinha realizado um levantamento com sondador de feixe simples, recolhendo apenas uma panorâmica parcial do fundo do rio.

O capitão do porto de Vila Real de St,º António, Pedro Palma, por seu lado, entende que este projecto poderá ser uma “auto-estrada” alternativa para levar o turismo até ao Nordeste algarvio. A primeira fase do balizamento do Guadiana, de Vila Real de St.º António e Alcoutim, foi inaugurada em Dezembro de 2015. Os resultados, diz, estão à vista: “Mais de uma centena de embarcações navegam neste troço, de noite e de dia, em segurança”.

Durante o Verão, de Maio a Outubro, o paquete Label Cadiz faz a rota Sevilha-Cádis-Alcoutim, dando a conhecer aos turistas outras paisagens e outras gentes. Mas a navegabilidade do Guadiana para montante a partir de Alcoutim faz-se ainda às cegas.

Onde está o canal que permite navegar em segurança? “O assinalamento marítimo é que vai indicar”, responde Catarina Nunes, acrescentando que, após o levantamento que está a ser feito, segue-se a caracterização físico-química dos sedimentos e a elaboração da carta náutica. A necessidade de existirem, ou não, dragagens, conclui António Peiriço, vai depender das propostas de desenvolvimento para a zona.

No café do cais do Pomarão, Fátima Estima, dona do estabelecimento, lamenta a falta de quase tudo o que diz respeito a infra-estruturas: “O telemóvel aqui não funciona — só chega o sinal de uma das redes, mesmo essa só nalguns pontos”. A comunicação via Internet é fraca e intermitente: “Está sempre a cair”, diz. O presidente da Câmara de Mértola, Jorge Colaço Rosa, subscreve as críticas, acrescentando que tem feito “imensas diligências junto das operadoras e entidades reguladoras, mas o problema continua”. No concelho, diz, cerca de 20 a 25% do território encontra-se na chamada “zona de sombra” da cobertura de comunicação.

“Parece que estamos na idade da pedra”, lamenta a proprietário do café, acrescentando que esta é uma das razões pela qual os territórios de baixa densidade não conseguem inverter o despovoamento. Para o contrariar, vai sugerindo medidas: “O antigo cais [do Pomarão], que está a cair de podre — e onde os comboios descarregavam o minério que seguia, de barco, para a Europa — poderia ser um motivo de interesse museológico, se fosse recuperado”.

O desassoreamento do Guadiana e a renovação dos cais podem, espera o autarca de Mértola, levar mais turistas para o concelho. A recuperação ambiental e patrimonial das Minas de São Domingos, um investimento de 20 milhões de euros, é outro dos projectos para atrair visitantes que espera que esteja concluído dentro de quatro a cinco anos.