O que todos devíamos saber sobre língua gestual (em dez pontos)

Nunca se diz linguagem gestual, mas antes língua gestual. E um surdo é apenas surdo, nunca surdo-mudo. Informações, curiosidades, vídeos e leituras para aumentar o conhecimento sobre esta comunidade

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Susana Vera/ Reuters

1. Língua e nunca linguagem

Não existem linguagens gestuais, mas sim línguas gestuais. Linguagem pode entender-se como um qualquer sistema de símbolos ou objectos constituídos como signos: a linguagem das cores, a linguagem corporal, etc. Uma língua, por seu lado, é um sistema de signos, arbitrário e convencional, neste caso veículo de expressão da comunidade surda e com gramática, estrutura e dinâmica próprias. Os gestos da língua gestual portuguesa (LGP) são constituídos por cinco parâmetros base: configuração de mão, movimento, expressão não-manual, localização e orientação.

2. A origem sueca

A LGP tem como língua mãe a Língua Gestual Sueca e não deriva, como muitos acreditam, do idioma oral de Portugal. No século XIX, o rei D. João VI chamou a Portugal Per Aron Borg, um sueco que tinha fundado no seu país um instituto para educação de surdos. Em 1823 é criada a primeira escola para surdos em Portugal e ainda que o vocabulário da LGP e da LGS seja diferente, o alfabeto das duas línguas revela a sua origem comum.

3. A sintaxe da LGP

A LGP tem uma estrutura bem diferente do português. A ordem básica das frases divide-se em SOV (sujeito-objecto-verbo), OSV (objecto-sujeito-verbo). Em português seria o equivalente a dizer: Eu casa vou/ Casa eu vou. Em LGP, as interrogativas, declarativas ou exclamativas identificam-se com elementos não manuais como o arquear das sobrancelhas e dos ombros.

4. Cada país com a sua língua

Muitos acreditam que a língua gestual é universal. Errado. Cada país tem a sua língua gestual, emergente da comunidade e mutante com o tempo. Em Portugal, como noutros países, nota-se ainda a existência de diversos regionalismos. Há em todo o mundo diversas línguas gestuais: a ASL (American Sign Language), a BSL (British Sign Language), a LIBRAS (Língua de sinais Brasileira), etc. E nenuma delas nasce da língua oral do seu país, mas antes da história da comunidade surda que a utiliza.

5. Surdo-mudo não existe

É ainda um erro comum chamar-se surdo-mudo a um surdo. Além de ser pejorativo, é errado: uma pessoa surda apresenta uma perda auditiva, mas tem cordas vocais. Muitos surdos, por opção ou por terem tido uma educação que aposta no oralismo, usam as cordas vocais e conseguem falar.

6. Aprender LGP: tão difícil como outra língua

Criada pela Associação de Surdos do Porto, a Escola Virtual de língua gestual portuguesa é um projecto que ajuda a derrubar barreiras na comunicação entre surdos e ouvintes. O registo e utilização são gratuitos e, além de uma aprendizagem teórica sobre o tema (acompanhada de pequenos testes onde se vai verificando o conhecimento adquirido), é possível aprender alguns gestos. Obrigatório para quem quer saber mais sobre esta comunidade e aprender uma nova língua: diz quem sabe que, como qualquer outra língua, é tudo uma questão de prática.

7. Da moda ao activismo

Nyle Dimarco tornou-se conhecido em 2015 numa espécie de reality show, o America’s Next Top Model, do qual saiu vencedor, fazendo história: não só foi o segundo homem a ganhar o programa como o primeiro surdo a fazê-lo. Nyle não usou a fama apenas para a carreira dele: decidiu fazer-se rosto da comunidade à qual pertence e criou uma fundação que procura derrubar preconceitos e abrir portas aos surdos. Há um canal de YouTube inteiro para explorar e uma conta de Instagram onde, entre fotografias, o modelo ensina língua gestual americana. Neste vídeo, explica-se o que é, afinal, viver num mundo sem som.

8. Um livro e uma editora/livraria 

Faz parte do Plano Nacional de Leitura (recomendado para o 8.º ano de escolaridade), mas é uma viagem útil para todos: O Grito da Gaivota, de Emmanuelle Laborit, surda profunda, filha de pais ouvintes. O livro relata a história de vida de Emmanuelle, desde a infância à idade adulta, e conta como a descoberta da língua gestual foi uma bússola que lhe permitiu perseguir os seus sonhos, nomeadamente o de se tornar actriz. Em Portugal existe, há mais de dez anos, uma livraria e editora empenhada em divulgar a cultura surda e a língua gestual. A Surd’Universo, com vários livros infantis, tem um espaço em Lisboa e uma loja online.

9. Música e teatro

É possível ouvir a música que não se ouve? Sim, porque os surdos conseguem sentir a vibração — e com isso ter a percepção do som. Em 2016, um espectáculo com a participação dos Noiserv mostrou isso mesmo. O teatro vai dando palco à comunidade surda e há cada vez mais instituições empenhadas em tornar os espectáculos acessíveis. Joana Cottim e Cláudia Braga foram pioneiras em levar essa possibilidade aos palcos do Teatro Nacional de São João. Esta quarta-feira, dia 15, O Guardião do Rio, da Palmilha Dentada, terá LGP em palco.

10. Cinema

São vários os filmes e documentários que ao longo dos anos trataram o tema da surdez. Nem todos são feitos em interacção com o a comunidade surda — o que, regra geral, leva a erros na língua gestual e outros. Por exemplo, o filme A Família Bélier, onde uma adolescente que se apaixona pela música é a única ouvinte de uma família, recebeu várias críticas por não ter apostado em actores surdos para interpretar os papéis dos pais. Em 1986, Filhos do Silêncio valeu um Óscar para a actriz surda Marlee Matlin. Nesta narrativa, conta-se a história de amor entre um professor ouvinte e uma aluna surda. Em Babel, com Brad Pitt e Cate Blanchett, conta-se, entre as várias narrativas cruzadas, a história de um pai que depois de perder a mulher procura ajudar a filha surda. O filme Nada que eu ouça põe em cena uma série de temas que fazem o espectador entrar na cultura surda: os implantes cocleares, a identidade e o orgulho surdo, etc. Vale a pena espreitar The Hammer, Mr. Holland – Adorável Professor, O Milagre de Anne Sullivan ou ainda, falando de um documentário, a História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil. Para os fãs da série Masters of None, prestem atenção ao episódio seis da segunda temporada: durante alguns minutos, o episódio mostra diálogos em língua gestual e não tem qualquer som. Para os ouvintes é um exercício particularmente interessante.

Fonte: Escola Virtual de Língua Gestual Portuguesa

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