Empresa ocupou terreno privado em Avis para captar água destinada a regar olival intensivo

Tribunal ordenou que o sistema de bombagem fosse removido, mas a extracção prossegue. Visados na acusação alegam ter-se equivocado. Julgaram estar em terreno municipal.

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Rui Gaudencio

A água está a esgotar-se nas pequenas barragens e charcas particulares em muitos pontos do Alentejo, e as consequências começam a suscitar conflitos, como o que ocorre, neste momento, na vila de Avis. A pacata comunidade do Norte alentejano assiste incrédula ao dirimir de um contencioso entre a proprietária de um terreno localizado junto à albufeira do Maranhão e os gestores de duas explorações de olival intensivo, a empresa Agrícola Vale de Poente, Lda e a Suinilis, Suinicultura S.A. Estas duas sociedades, juntamente com a empresa AquaMaranhão, são acusadas de terem “invadido, ocupado e destruído bens” numa propriedade privada, denominada Cerca do Convento, que se estende ao longo de uma das ramificações da albufeira da barragem do Maranhão, em plena vila de Avis. Objectivo da “ocupação”: instalar um sistema de captação de água para encher a barragem que dá suporte ao regadio de olival intensivo nas duas explorações.

Tudo foi feito sem autorização de Maria Cecília Vieira Lopes, proprietária da Cerca do Convento, que não sabia do que se passava até que foi avisada por um seu funcionário. O marido, Joaquim Vieira Lopes, disse ao PÚBLICO que a esposa “participou os factos à GNR e solicitou a sua ida ao local”. Os militares identificaram os indivíduos e informaram-nos de que não estavam autorizados a entrar na propriedade. Sem êxito. Entre Junho e Setembro, “a GNR foi chamada pelo menos seis vezes”, mas a cena repetia-se: a autoridade identificava-os e dizia-lhes que não podiam permanecer no local. “Logo que a guarda virava costas, os invasores voltavam a ocupar a propriedade e a prosseguir na construção” do sistema de captação de água, queixa-se Vieira Lopes.

Impotente para fazer prevalecer os seus direitos, Maria Cecília Vieira Lopes foi obrigada a recorrer a um procedimento judicial cautelar contra a AquaMaranhão — que instalou o sistema de bombagem e que foi constituída pelas empresas agrícolas já referidas — no Juízo de Competência Genérica do concelho de Fronteira.

Obras destrutivas

A instância judicial confirmou na sentença proferida no dia 12 de Outubro, facultada ao PÚBLICO, que a AquaMaranhão “fez entrar pela propriedade adentro, nos últimos dias de Maio, máquinas pesadas. Movimentaram terras numa faixa de mais de dez metros de largura e mais de 30 metros de comprimento. Podaram uma azinheira de grande porte que está nas proximidades do muro destruído, mutilando a árvore que entretanto secou, devido às lesões no tronco”. Após esta intervenção, “construíram uma plataforma de cimento dentro da propriedade, junto à margem da albufeira do Maranhão, e nessa plataforma instalaram equipamentos para bombagem de água”.

Ficou também provado em tribunal que a AquaMaranhão, “apesar de diversas vezes avisada de que não poderia invadir terreno alheio e das diversas queixas apresentadas à GNR, que se deslocou ao local, não teme a presença da autoridade policial e muito menos os avisos e a oposição da requerente”.    

Os administradores das empresas Agrícola Vale Poente, Lda e Suinilis, Suinicultura, S.A, Pedro Fialho e Francisco Javier Fernandez Parladé, garantiram ao PÚBLICO que julgavam estar a intervir em terreno municipal. Com efeito, tinham solicitado à Câmara de Avis, em Fevereiro de 2017, autorização para o “atravessamento e ocupação permanente” do subsolo das parcelas de alguns prédios rústicos, que tinham autorizado a passagem da conduta, assinalando que uma dessas parcelas se “localiza no prédio rústico artigo matricial 088-A, que é propriedade do município de Avis”. Requereram ainda que fosse permitida “a circulação de pessoas, máquinas e viaturas nos caminhos de acesso necessários” para a instalação do circuito hidráulico, com cerca de sete quilómetros de extensão e um diâmetro com cerca de 60 centímetros, e as respectivas infra-estruturas de captação de água.

A autarquia, através de deliberação do executivo municipal de 14 Junho, considerou viável a instalação de uma “conduta de água” no prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 88-A da freguesia de Avis, o qual “é propriedade do município”, bem como a autorização para a circulação de pessoas, máquinas e viaturas para a realização das obras. Só que o terreno onde é feita a captação, confinante com o terreno municipal, já é privado.

Para Pedro Fialho, esta deliberação induziu a AquaMaranhão num equívoco: nem todo o terreno onde estava prevista a intervenção era municipal. Diz que procurou junto da proprietária obter a necessária autorização, depois de terem iniciado as obras. “Não obtivemos qualquer resposta”, salientou o administrador, que admitiu ao PÚBLICO estar “muito preocupado” com a decisão do tribunal. Este já ordenou “a remoção de todas as tubagens, bombas, instalações e equipamentos, sapata de cimento, condutas, cabos e demais equipamentos, desenterrando as tubagens já enterradas, e a repor o terreno e muro no estado em que se encontrava”.

É a sobrevivência das duas explorações que “está em causa”, frisou por seu turno Francisco Parladé, lembrando que já estão investidos no novo olival “cerca de 50 milhões de euros”. Por sua vez, Pedro Fialho descreve a situação crítica em que se encontravam antes de se iniciarem as captações a 15 de Setembro: “A água que tínhamos na nossa albufeira (com capacidade para armazenar cerca de um milhão de metros cúbicos) era menos do que a que está numa garrafa de água das pedras, mas agora já temos uma quantidade razoável de água.”

Investimento perdido

O presidente da Câmara de Avis, Nuno Silva, confirmou ao PÚBLICO que o local onde foi instalado o sistema de captação de água “é propriedade” de Maria Cecília Vieira Lopes. Mas o que mais o preocupa é a quantidade de água que está a ser captada da barragem do Maranhão, numa altura em que esta apresenta um dos mais baixos volumes das 14 barragens públicas da bacia do Tejo, “e sobretudo o que vai acontecer no próximo ano se não chover, com as reservas de água tão reduzidas”.

Pedro Fialho diz que foram investidos no circuito hidráulico e no sistema de captação cerca de 1,5 milhões de euros. Desmontar tudo e ficar sem saber onde ir buscar água para regar o olival tira-lhe o sono, sublinha.

Entretanto, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) já notificou a AquaMaranhão de uma “eventual condenação pela utilização dos recursos hídricos sem o respectivo título”. Referindo-se à emissão de título de utilização dos recursos hídricos para construção da conduta elevatória, salienta que “o mesmo ainda não foi atribuído nem há por agora intenção de o atribuir em virtude de não estarem reunidas todas as condições para o efeito”.

A Associação de Beneficiários de Rega do Vale do Sorraia (ABRVS) foi a entidade que autorizou a AquaMaranhão a utilizar a água da barragem do Maranhão. “A Associação de Regantes autorizou a utilização da água para rega e a instalação dos respectivos equipamentos de bombagem a título precário”, adiantou ao PÚBLICO José Núncio, presidente da ABRVS. O volume anual de água que vai ser bombeado é de “cinco milhões de metros cúbicos” e cerca de 80% é para consumir entre os meses de Abril e Setembro. Servirá para irrigar cerca de 1500 hectares em quatro prédios rústicos nas freguesias de Casa Branca e Ervedal, propriedade da Sociedade Agrícola Vale de Poente Lda (1050 hectares), e do prédio Herdade de Carreiros, freguesia de Avis, propriedade da Sociedade Suinilis, Suinicultura S.A (450 hectares), também no concelho de Avis.

Esta última exploração tem como representante na constituição da AquaMaranhão Pedro Miguel Barroso Lopes, que é o director da empresa espanhola De Prado Portugal, empresa que foi recentemente acusada pela Direcção Regional de Cultura do Alentejo de ter destruído quase duas dezenas de sítios arqueológicos para plantar quase três mil hectares de amendoal próximo de Beja. Aliás, a sede da Suinilis, Suinicultura S.A. é na Herdade Monte Fonte dos Frades, sede da De Prado Portugal.

O sistema de bombagem instalado na Cerca do Convento continua a funcionar entre as 8h e as 21h.     

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