Catherine em movimento

Duas Catherine, duas actrizes, alegria de jogo incluída, em movimento dentro de uma fórmula.

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Há anos que olhamos para Catherine Deneuve nos filmes e não encontramos Catherine Deneuve dentro dos filmes. É injusto, desadequado, isto? A autoridade totémica é inegável — mas por isso mesmo: está à entrada, isso pode significar ficar de fora. Parece estar sempre ali para caucionar, para proteger alguém. Dancer in the Dark (2000), de Lars von Trier, foi o “acontecimento” mais tumultuoso dessa vocação. Deneuve acompanhou a turbulência do filme, do ecrã para Cannes, daí para as entrevistas e os relatos, velando pelas angústias de Bjork-vítima perante o algoz-Von Trier. Não é preciso ir tão longe: recentemente, em De Cabeça Erguida (2015), de Emmanuelle Bercot, voltava a velar pelas personagens e por um filme, mas o filme não lhe respondia, o espaço criado para ela era desvitalizado, sem alternativas à autoridade que resta do símbolo ou do mito. Houve um caso, o de Quero Ver (2008), em que os realizadores Joana Hadjithomas e Khalil Joreige viraram isso em seu favor, “usando-a” para que entrássemos com ela dentro do Líbano. Mas Oliveira, em O Convento (1995), se calhar apenas quis registar a passagem dela pela Arrábida — a curiosidade distanciada perante os “fenómenos”, como perante Pedro Abrunhosa em A Carta, a ver como eles registam. (Ela poderá responder que também lhe interessou experimentar o que era estar num Oliveira, se calhar o que era estar fora de um Oliveira — “quero ver”, dizia o título do filme de Hadjithomas e Joreige.) Em conclusão: vemos O Homem Demasiado Amado (2014), do homem que se abeirou do mistério para o intensificar, complexificar (L’Hotel des Amériques, O Local do Crime...), e, depois do choque perante a crueldade da decadência (da obra de Téchiné: como é possível filmar assim a “sua” actriz?), percebe-se que é difícil ser Catherine Deneuve. Até as fidelidades caducam escandalosamente.

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Há anos que olhamos para Catherine Deneuve nos filmes e não encontramos Catherine Deneuve dentro dos filmes. É injusto, desadequado, isto? A autoridade totémica é inegável — mas por isso mesmo: está à entrada, isso pode significar ficar de fora. Parece estar sempre ali para caucionar, para proteger alguém. Dancer in the Dark (2000), de Lars von Trier, foi o “acontecimento” mais tumultuoso dessa vocação. Deneuve acompanhou a turbulência do filme, do ecrã para Cannes, daí para as entrevistas e os relatos, velando pelas angústias de Bjork-vítima perante o algoz-Von Trier. Não é preciso ir tão longe: recentemente, em De Cabeça Erguida (2015), de Emmanuelle Bercot, voltava a velar pelas personagens e por um filme, mas o filme não lhe respondia, o espaço criado para ela era desvitalizado, sem alternativas à autoridade que resta do símbolo ou do mito. Houve um caso, o de Quero Ver (2008), em que os realizadores Joana Hadjithomas e Khalil Joreige viraram isso em seu favor, “usando-a” para que entrássemos com ela dentro do Líbano. Mas Oliveira, em O Convento (1995), se calhar apenas quis registar a passagem dela pela Arrábida — a curiosidade distanciada perante os “fenómenos”, como perante Pedro Abrunhosa em A Carta, a ver como eles registam. (Ela poderá responder que também lhe interessou experimentar o que era estar num Oliveira, se calhar o que era estar fora de um Oliveira — “quero ver”, dizia o título do filme de Hadjithomas e Joreige.) Em conclusão: vemos O Homem Demasiado Amado (2014), do homem que se abeirou do mistério para o intensificar, complexificar (L’Hotel des Amériques, O Local do Crime...), e, depois do choque perante a crueldade da decadência (da obra de Téchiné: como é possível filmar assim a “sua” actriz?), percebe-se que é difícil ser Catherine Deneuve. Até as fidelidades caducam escandalosamente.

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Por isso não tiramos os olhos dela em Duas Mulheres, um Encontro, de Martin Provost. A cada esquina que o filme dobra, e perante a descontracção e a fantasia lufoque a que ele se abandona, começa a ser surpreendente a possibilidade de outra(s) vida(s). Finalmente, Deneuve!

É injusto dizer assim, porque na verdade não tiramos os olhos delas, das duas Catherine, Deneuve e Frost, por onde tudo começa e onde tudo acaba. É essa a inteligência de Provost, a sua delicadeza: não reinventar nada, fazer com que as duas encontrem vida e sentimentos nos diálogos e nas situações que concretizam a fórmula, sensibilidade mesmo, de “filme francês”. Começa tudo por elas porque tudo parece começar a partir de uma troca de papéis: Frost, saída de um festival de histrionismo, Marguerite, de Xavier Gianolli (2015), fica aqui com a “mulher ponderada” (a “sage femme”, título em expansão de sentidos); a Deneuve cabe a exuberância.

Duas mulheres encontram-se, anos depois de se terem desligado. E vamos sabendo que cada uma à sua maneira está em final de percurso. E vamos sabendo, pelos sinais que os diálogos e as imagens vão construindo como quem prossegue um programa, que elas são o oposto uma da outra: uma é a saúde, a outra a doença, uma é a contenção, a outra o esbanjamento (cada refeição de Deneuve é antecedida sempre de um diálogo em que o seu apetite por carne, batas fritas e vinho fala de outras voracidades e desesperos), e por aí fora, com um toque de elegância em cada demonstração, em cada detalhe significativo... E vamos saber o que as separou: um homem, pai de uma e amante de outra, a que o abandonaria e levaria ao suicídio. É uma história do passado que criou ressentimentos fundos que vão ser ultrapassados, porque esta é a história de um reencontro, é esse o filme, uma história de ternura — até na forma como duas actrizes, alegria de jogo incluída, se movimentam dentro da fórmula.