A lição de Catherine Deneuve

Entrou na lotada Sala Bunuel e foi acolhida, desde logo, com uma declaração de amor. Gilles Jacob, o presidente do Festival de Cannes, resgatou um título da filmografia de Catherine Deneuve para lhe devolver as exactas palavras, Je vous aime, e seguiu por aí fora.Deneuve não se mexeu quando ele disse que ela foi "sempre sublime" ou que tem um "tão belo rosto", mas não resistiu a revirar os olhos com ironia quando Jacob mencionou a sua "beleza interior". Deneuve esteve ontem em Cannes para dar uma Lição de actriz, uma espécie de masterclass informal, em jeito de entrevista, e, sobretudo, um pretexto para falar da sua carreira no cinema. Carreira não, porque "é quase uma palavra que tem a ver com o fim", notou a actriz, e Fredéric Miterrand, o entrevistador, corrigiu: élan.
Deneuve trouxe actrizes e filmes muito lá de casa para partilhar com a plateia - Judy Holiday em Uma Rapariga Sem Nome, de Cukor, Carole Lombard em To Be or Not to Be, de Lubitsch, Marilyn Monroe em Paragem de Autocarro, que ela diz ser tão comovente em papéis dramáticos quanto cómicos, e "talvez, a maior actriz de comédia" que alguma vez viu - e acendeu cigarros no escuro das projecções.
Falou da família - a irmã, Françoise d"Orleac (também trouxe imagens dela, em La Peau Douce, de Truffaut) que a levou para o cinema, o pai, que fazia dobragens em francês de filmes da Paramount - e da sua família no cinema, como Demy, que foi "o clique", em Os Chapéus de Chuva de Cherbourg, que a fez não querer fazer outra coisa. Para Deneuve, o cinema é como a vida. "Aprendi a vida ao mesmo tempo que aprendi o cinema." Nunca sofreu numa rodagem, nunca teve a sensação de se ter enganado ao aceitar um filme? "Sim, mas é como a vida, cheio de coisas desagradáveis. Nesses casos, faço tudo para chegar ao fim, protegendo-me."
Deneuve mostrou o corpo no cinema (em Repulsa, de Polanski, por exemplo), mas diz ter "problemas com a nudez no ecrã". "Quando vejo os corpos, vejo seres humanos, já não vejo as personagens." Mas é com Manoel de Oliveira que Deneuve diz fazer "coisas muito estranhas fisicamente", por causa da austeridade da câmara do cineasta português, sem zooms. A Palma de Ouro é dela: Jacob entregou-lhe uma, ainda que pequena.

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