Governo diz não a PCP e BE: “Nenhum sistema dá direito a 23 anos de pensão”

Vieira da Silva não cede aos pedidos da esquerda nas reformas antecipadas sem penalização, que não vai passar pela AR. Nem em mudar já ou profundamente a lei do trabalho. Crédito fiscal em IRS já não é prioridade.

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As alterações legislativas sobre reformas antecipadas não terão de passar pelo Parlamento, diz Vieira da Silva.

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As alterações legislativas sobre reformas antecipadas não terão de passar pelo Parlamento, diz Vieira da Silva.

Na próxima semana terá que entregar aos parceiros sociais a versão final das alterações ao regime da reforma antecipada. O Governo anunciou que o factor de sustentabilidade deixaria de se aplicar a todas as reformas antecipadas, mas afinal isso não vai acontecer para todos ao mesmo tempo. Pode explicar como vai ser? 
A proposta ainda não foi finalizada, mas tem dois níveis de mudança: uma facilidade de acesso à reforma antecipada sem penalização para as muito longas carreiras contributivas…

Mas muito longas quer dizer o quê?
Carreiras acima dos 45 anos. 

Sempre com 60 anos de idade?
Essa é a nossa proposta, seguindo o que acontece na generalidade dos países europeus - oscila entre os 59, 61, 62 anos. 

Quanto custaria permitir a reforma antecipada sem penalização a quem tem 60 anos e mais de 40 de descontos, como reclamam PCP, BE, centrais sindicais e até a CIP?
Significaria uma mudança profunda no nosso sistema de pensões. Na prática estar-se-ia a dizer que, com 60 anos de idade e 40 de carreira, toda a gente se poderia reformar. Aí não falaríamos quase de reforma antecipada: era um novo modelo de reforma que custaria um valor muito significativo. 

Para termos uma ideia: isso custaria no primeiro ano...
Algumas centenas largas de milhões de euros. 

Mais do que os 600 milhões de que falava o PSD?
O valor seria provavelmente à volta desse montante. Mas a estimativa mais pesada era a de longo prazo, porque isso alteraria os equilíbrios de longo prazo, criando uma pressão sobre o sistema de Segurança Social que não está linha com a evolução dos sistemas de protecção social. Aos 60 anos, a expectativa média de vida anda nos 23 anos. Seriam 23 anos de pagamento de uma pensão que seria construída em 40 anos de carreira. Não há nenhum sistema que eu conheça que, ao fim de 40 anos de desconto, dê direito a 23 anos de pensão. É disso que estamos a falar.  

Está receptivo ao pedido para que o novo regime entre em vigor para todos ao mesmo tempo — e não em três fases, como propôs?
Não. A proposta do Governo é no sentido de que possa existir um faseamento, já que o primeiro objectivo é dar uma resposta a um conjunto de portugueses que entraram no mercado de trabalho com 12, 13 anos e tiveram carreiras muito longas. Essa é a nossa prioridade e deve entrar em vigor o mais rapidamente possível.

Ainda este ano? E há estimativa de para quantas pessoas? 
São estimativas que dependem de comportamentos, mas podemos estar a falar de cerca de 9 mil pessoas por ano. 

As novas regras vão ser alargadas também à Caixa Geral de Aposentações (CGA)? Quando?
Com as devidas adaptações, é a nossa ideia. Como sabem, está suspenso o regime na Segurança Social, mas nunca esteve suspenso na CGA. Haverá adaptações, ainda temos trabalho a fazer com os sindicatos da função pública.

A CGTP e a UGT têm alertado que também é preciso estendê-las a quem pede a reforma na sequência de desemprego de longa duração. Isso está previsto?
Obviamente que há factores que deverão ser comuns, mas o regime de reforma antecipada, que tem que ver com desemprego de muito longa duração, esteve sempre em vigor. Poderá ter de haver algumas alterações.  

Estas leis terão de ir ao Parlamento?
Não. O enquadramento é a lei de bases, estas alterações são normalmente feitas por decreto. 

Ou seja, não há que concertá-las com os parceiros.
Há que o fazer, têm sido discutidas. Temos uma situação parlamentar que é conhecida.

O BE e o PCP agendaram para os próximos dias alterações ao regime dos contratos a prazo e revogação do banco de horas e do regime de adaptabilidade. O banco de horas vai ser revisto?
O programa de Governo tem esse objectivo, rever o banco de horas individual. O banco de horas deve fazer parte da negociação colectiva, de empresa ou de sector. Mas não somos favoráveis a pequenas alterações na legislação laboral, estamos a discutir um processo de avaliação de um conjunto de áreas: na negociação colectiva, na precariedade, organização do tempo de trabalho. São aspectos estruturantes das relações laborais. E queremos fazer uma proposta conjunta. No final deste ano, creio que estas discussões estarão numa fase final, com os parceiros sociais e também no plano político.

A contratação a prazo também só será revista nessa altura?
Sim, os dois grandes domínios prioritários são a contratação colectiva e as questões da instabilidade (ou segmentação excessiva) no mercado de trabalho.

Acha que PCP e BE vão esperar por essa mega…
Não é mega, nós não vamos propor um novo Código do Trabalho. O que vamos propor são alterações visando estes dois temas fundamentais — além de outras questões, como desigualdade salarial.

O Bloco pediu esta semana o fim da caducidade dos contratos colectivos. Pode regressar em 2018?
Esse é um ponto em que a visão do PS e do PCP e Bloco não é exactamente a mesma. Não advogamos o fim da caducidade. Admitimos torná-lo mais eficaz — daí que os patrões tenham concordado em não fazer uso da caducidade durante ano e meio. A questão merece ser revisitada, porque ela não pode ser utilizada como mero instrumento de negociação. Mas nós tínhamos, antes da eclosão da crise, em 2008, perto de 1,9 milhões de trabalhadores cobertos por nova contratação colectiva. No ponto mais baixo da crise, chegámos à volta de 300 mil. E tem vindo a recuperar: se em 2016 cresceu 50% (passou de 500 mil para 750 mil), ela estava nos quatro primeiros meses a crescer próximo dos 65%. Se esta for a tendência até ao final do ano, voltaremos a ultrapassar 1,2 milhões de trabalhadores cobertos.

Pelo que não será preciso uma alteração da lei.
É mais fácil mexer quando há dinamismo negocial. E integrar nesse dinamismo negocial algumas alterações que venham a ser necessárias.

Acha que BE e PCP, que acordaram várias destas medidas com o PS há largos meses, vão esperar? Não haverá o risco de acharem que o Governo prefere a concertação social à negociação no Parlamento?
Não... É natural que possa existir alguma diferença na forma como os partidos olham para a concertação. Pessoalmente, considero que é um instrumento útil e muito importante, que facilita a aplicação das leis e estimula uma prática negocial mais intensa. Nesta maioria, não temos de pensar todos o mesmo, o essencial é que possamos cumprir os compromissos que assumimos.

No Orçamento do Estado (OE) para 2017, o Governo pede uma autorização legislativa para rever o regime contributivo dos trabalhadores independentes. Vai utilizá-lo ou passa para 2018?
Será utilizado em 2017.

Também no OE deste ano, o Governo compromete-se a avaliar as actuais isenções e reduções da taxa contributiva para a Segurança Social. Já chegaram a alguma conclusão?
Sim, até já fizemos mudanças. Obviamente que o trabalho de simplificação das taxas contributivas foi feito há uns anos, não há um número muito elevado de isenções de taxas contributivas, até porque alguns sectores, como o social, tiveram um modelo de convergência, diminuindo muito a diversidade que existiria. A isenção que ainda existe mais significativa é a isenção para apoio à contratação, quer de jovens quer de desempregados de longa duração. Elas mantiveram-se, mas num quadro diferente. Admitimos vir a completar esse trabalho, nomeadamente no regime dos trabalhadores independentes, em que está a ser reavaliada a taxa contributiva aplicada.

Em 2018 já teremos aplicada a taxa de rotatividade, para as empresas que mudam muito de trabalhadores?
Espero que, na sequência que uma das medidas do trabalho a que vos fiz referência [mudanças na legislação laboral], seja uma diferenciação das taxas contributivas.

E o crédito de imposto para os trabalhadores...
Não está na nossa agenda de curto prazo. 

Mas estava no programa de Governo.
Naturalmente que sim...

Significa que virá no ano eleitoral?
Não. Significa que houve diferentes opções que foram sendo desenvolvidas. Há outras alterações no plano fiscal que têm também como alvo trabalhadores...

Está a falar das tabelas do IRS.
Exactamente.

Só para clarificar: não ocorrerá nesta legislatura?
Não houve uma decisão de deixar cair, mas...

Mas houve a de deixar a margem orçamental existente para os novos escalões de IRS. 
Foi dada prioridade às diminuições de sobretaxas, à mudança do IRS. Aliás, repare, temos de olhar para essa medida a par do aumento do salário mínimo nacional (SMN), porque são o mesmo tipo de beneficiários.

E quando é que conta iniciar a discussão sobre o SMN para 2018? O programa do Governo aponta para 580 euros em 2018. É a proposta que vai levar à concertação social? E o que é que o Governo tem para dar em troca aos patrões, dado que as reduções da taxa social única não têm apoio parlamentar?
Infelizmente não têm, na minha opinião. Iremos depois das férias iniciar esse debate na concertação social. O Governo tenta sempre identificar factores que tentem levar a um consenso ou compromisso nesta área. Não me dou por derrotado pelo facto de, de forma um pouco estranha, ter desaparecido uma maioria que tornava menos pesadas as taxas contributivas dos trabalhadores com mais baixos salários.

A economia vai, tudo o indica, crescer mais do que o Governo previa. O Governo vai alargar o cinto? 
Não vejo as coisas assim. A margem de manobra que um Governo tem para conduzir as suas políticas é sempre maior quando a economia cresce mais e quando há mais emprego. 

Daí que o PCP e BE estejam a pedir ao Governo que use essa folga.
Mas eu não falei em folga. A dinâmica de criação de emprego é mais alta — e isso abre espaço a uma política mais agressiva, no sentido de mais estímulo à economia. É isso que tem vindo a ser feito. Obviamente, também sabemos que não atingimos o objectivo final. É um passo no sentido da recuperação do crescimento e também de consolidação das contas públicas, um objectivo de que o Governo não se demite.