“O Salvador tem qualquer coisa de carismático.” Vai uma aposta?

O país que nunca ganhou a Eurovisão está céptico, mas a peculiaridade do vencedor do Festival da Canção pode ser o ingrediente da fórmula indecifrável. Nas casas de apostas, Salvador Sobral é o oitavo favorito à vitória final na capital ucraniana.

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Não teve um espectáculo de luzes impressionante, dispensou grandes efeitos e subiu ao palco sem bailarinos e com uma balada. A escolha de Salvador Sobral para representar Portugal na Eurovisão, após a vitória de Amar pelos dois, está a dividir os fãs do Festival da Canção. Há muitos que duvidam do impacto que um tema que foge ao lado mais festivaleiro do concurso televisivo pode ter em Kiev. Não só. Da indumentária ao comprimento do cabelo e aos gestos que acompanharam a interpretação, são vários os comentários negativos sobre a actuação no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, no passado domingo.

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Não teve um espectáculo de luzes impressionante, dispensou grandes efeitos e subiu ao palco sem bailarinos e com uma balada. A escolha de Salvador Sobral para representar Portugal na Eurovisão, após a vitória de Amar pelos dois, está a dividir os fãs do Festival da Canção. Há muitos que duvidam do impacto que um tema que foge ao lado mais festivaleiro do concurso televisivo pode ter em Kiev. Não só. Da indumentária ao comprimento do cabelo e aos gestos que acompanharam a interpretação, são vários os comentários negativos sobre a actuação no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, no passado domingo.

No entanto, as casas que aceitam apostas para a Eurovisão e apresentam já probabilidades de vitória de cada concorrente dão ao cantor português números que podem surpreender os mais cépticos, quando comparados com 2015, o ano mais recente em que houve portugueses a concorrer.

O Oddschecker, que agrega as probabilidades dadas de 27 sites de apostas online (embora a maior parte não tenha apostas abertas para o concurso da capital ucraniana), põe Salvador Sobral como oitavo favorito. Um feito histórico, nota Rasmus Petersen, um dos responsáveis pelo site de fãs Eurovisions World, tendo em conta que em 2015 a música a concurso — Há um mar que nos separa, de Leonor Andrade — não conseguiu subir para lá da 27.ª posição no ranking das apostas internacionais reunidas pelo mesmo site. Em primeiro lugar está a Itália, seguida pela Suécia e pela Rússia (mesmo que os concorrentes destes dois países ainda não estejam escolhidos; acima de Salvador Sobral e com participante já seleccionado estão cinco países).

Seja nas casas de apostas, seja no YouTube, Amar pelos dois está a ganhar dimensão. Esta terça-feira ao final da tarde, o vídeo da meia-final contava mais 607 mil visualizações. Já o momento da final conta com outras 336 mil visualizações.

A fórmula Eurovisão

A cantora Filipa Sousa — que em 2012 representou Portugal em Baku, Azerbaijão (com Vida minha), e integrou um dos júris regionais da edição deste ano do Festival da Canção — diz ao PÚBLICO que, no meio do brilho da Eurovisão, quem se distingue é quem leva para o palco algo que o diferencie dos países concorrentes dos outros países. “O festival tem vindo a primar pela diferença, como foi Conchita ou o grupo de idosas que, no meu ano, representou a Rússia”, lembra. “Não sei até que ponto é que esta balada, que é tão simples, tão bonita, tão despida de tudo, não tem esse factor diferenciador.”

Inês Santos partilha da mesma opinião. A cantora, que também serviu como jurada regional no domingo e que participou na Eurovisão em 1998 como voz do grupo Alma Lusa (o tema era Se eu te pudesse abraçar), antecipa até o silêncio da arena em Kiev. “Esta canção pode surpreender exactamente pela diferença e acredito também que esta conjuga melhor voz, melhor interpretação, arranjo e composição, e que levar uma canção de qualidade devia ser sempre o nosso melhor trunfo. Quanto mais não seja, para, com orgulho, dizermos ‘somos portugueses’”, sublinha ao PÚBLICO.

Em resposta às críticas feitas a Amar pelos dois, Filipa Sousa nota que “vai ser sempre complicado levar uma canção” dentro dos cânones da Eurovisão “que não seja pimba”. A cantora elogia por isso a música que, “de longe”, foi “a melhor em termos de qualidade e de interpretação do cantor”. “Nota-se à primeira vista que o Salvador tem qualquer coisa de carismático” e isso, acredita, deverá “cativar a comunicação social e os fãs” do festival.

“Em democracia, é natural que surjam opiniões contraditórias acerca de quem deve ser o nosso representante em Kiev”, observa Inês Santos. “O que já me custa a aceitar é a falta de educação, o 'achincalhamento' e o mal dizer gratuito, só porque a canção escolhida não era a da preferência de A ou B.” “É do conhecimento geral que o nosso representante atravessa um problema de saúde complicado, pelo que tenho que lhe dar os parabéns pelo profissionalismo e desejar rápidas melhoras”, destaca ainda a antiga concorrente.

No festival internacional, não é apenas a canção que está em competição. “É difícil competir com as grandes potências e com os países que se ajudam entre si”, lembra Inês Santos, recordando também “as boas canções pop, mais alegres e mais de acordo com a ideia pré-concebida do que é uma canção festivaleira" que se apresentaram a concurso no passado. “Não sou nada contra levar uma canção pop/electrónica, desde que seja muitíssimo bem produzida e muito bem cantada”, diz. "Mas a Eurovisão não deve ser uma fábrica de produtos que se regem por fórmulas."

“[Apesar de todas as opiniões e todos os comentários,] não há fórmulas certas e nós, portugueses, já tentámos várias e nem por isso fomos mais bem sucedidos nos últimos anos”, sublinha a cantora. “Em 1998 fiquei em 13.º lugar com Se eu te pudesse abraçar, uma canção com raízes e sonoridades tipicamente portuguesas, que foi uma excelente classificação, mas acredito que nesse mesmo ano a Eurovisão deu uma grande viragem, e nem por isso para melhor. Defenderei, sempre, que devemos levar algo de qualidade e que nos represente.”

Filipa Sousa admite que não houve nenhum tema do Festival da Canção que “ficasse imediatamente no ouvido”. No entanto, Amar pelos dois “é aquela que tinha o conjunto mais bem conseguido”. “As pessoas têm falta de sensibilidade”, critica, referindo-se aos comentários que tem lido. “O que interessa é criticar e vê-se claramente que as pessoas não têm acompanhado os anos anteriores. Já se fez com bandas ao vivo e não correu bem”, exemplifica.

Sobre a experiência enquanto membro do júri Filipa Sousa assinala a dificuldade da tarefa, uma vez que exige uma avaliação “à canção em si, ao gosto pessoal, ao que merece vencer o Festival da Canção e ao que poderá funcionar melhor lá fora e colocar tudo na mesma balança”. A cantora acredita que Salvador Sobral “pode ser uma surpresa” e deixa conselhos ao representante desta edição: ir aos eventos que antecedem o festival, “uma pré-Eurovisão”, onde os concorrentes se dão a conhecer a grande parte da comunicação social e aos fãs do festival.