O mundo está a mudar rumo ao abismo

Se nada contrariar estes ventos, iremos cair ravina abaixo. Tudo pela família, pelos valores e pela tradição

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Tobias Zils/Unsplash

É obscena a forma aberta e impune como retrocedem alguns dos países mais desenvolvidos. É um regresso cínico, mascarado com valores moralistas e manifestos que pretendem juntar, em coletivos revoltados, aqueles que até agora chamamos de anti-progressistas, extremistas e estagnados no tempo.

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É obscena a forma aberta e impune como retrocedem alguns dos países mais desenvolvidos. É um regresso cínico, mascarado com valores moralistas e manifestos que pretendem juntar, em coletivos revoltados, aqueles que até agora chamamos de anti-progressistas, extremistas e estagnados no tempo.

A 7 de Fevereiro de 201, o Parlamento russo aprovou uma alteração à lei que visa descriminalizar parcialmente a violência doméstica: 380 votos a favor, três votos contra e Vladimir Putin a assinar por baixo. Até esta alteração, um caso de agressão levaria a uma pena de (até) dois anos de prisão. Hoje, um caso de violência doméstica que não cause danos físicos e que não tenha antecedentes poderá ser punido com 30000 rublos (cerca de 480 euros), 15 dias de prisão ou 120 horas de serviço comunitário. Nos últimos anos, estudos levados a cabo pelo Governo russo tornaram claro que cerca de 40 mulheres morrem, a cada ano, às mãos dos maridos ou companheiros. O problema de violência na Rússia é gritante.

Os argumentos apresentados para justificar esta impunibilidade facilitada são infundados: a intromissão do Governo em determinados assuntos familiares e conjugais leva à instabilidade de um dos valores fundamentais para o povo russo. Tudo pela família, tudo pelos valores, tudo pela tradição. A 22 de Fevereiro de 2017, Donald Trump revoga a norma instituída pelo Governo de Barack Obama que permitia aos alunos transexuais terem acesso à utilização de casas de banho e vestiários que mais se adequassem à sua identidade de género e não ao registo de nascença.

Na carta enviada às escolas públicas, pelo departamento da Justiça e da Educação, e no comunicado feito pelo procurador-geral Jeff Sessions, o argumento apresentado baseia-se na ideia de que este é um tema a ser debatido e decidido pelos governos e instituições locais e não pelo Governo federal. Esta é uma questão que abriu as portas a um debate aceso entre os fervorosos crentes na família, nos valores e nas tradições e nos seguidores de políticas baseadas na mudança e na evolução. Mais uma vez, tudo pela família, pelos valores e pela tradição.

Marine Le Pen conquista um vasto número de seguidores através de um manifesto que expõe a sua vontade de soberania nacional através de políticas de anti-imigração e anti-elites. Tudo pelas pessoas, diz Le Pen. Pela família, pelos valores e pela tradição.

De acordo com estas mudanças de rumo parece haver um padrão que se forma a partir das constelações políticas que se instalam nestas nações — alegadamente — desenvolvidas. A conservação dos valores e das tradições de cada país são, agora, justificação para medidas que desfazem o que foi feito, para dar um passo atrás na evolução sócio-cultural de vários países. É que assistimos a um retrocesso óbvio e estamos, obscenamente, mergulhados num mar de descrença.

Esperamos ser convencidos por argumentos conservadores e tradicionalistas quando o que estamos a fazer, realmente, é convencer-nos a nós próprios de que existem justificações válidas para a nossa irresponsabilidade social e implosão ética e moral. O abuso de poder, a obsolescência dos valores tão dificilmente instituídos, a repressão e o totalitarismo são sinais claros de que o mundo está a mudar. Está a dar passos em falso, rumo ao abismo do retrocesso. Se nada contrariar estes ventos, iremos cair ravina abaixo. Tudo pela família, pelos valores e pela tradição.