A cabra de Rauschenberg foi examinada e descobriram-lhe arsénio e uma perna partida

Monogram, uma das obras mais conhecidas do artista americano, foi sujeita a uma bateria de exames para avaliar a sua estabilidade antes de viajar para Londres, onde integra agora um retrospectiva dedicada a Robert Rauschenberg.

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Monogram foi pela primeira vez exposta em 1959 Cortesia: Fundação Robert Rauschenberg

Fazer um raio X a uma pintura atribuída a um grande mestre do Renascimento para avaliar o seu estado de conservação ou analisar o desenho subjacente para daí tirar informações antes de a submeter a um cauteloso processo de restauro tornou-se comum. Fazer o mesmo a um animal empalhado numa obra de arte moderna ou contemporânea já é mais inusitado. Mas foi precisamente isso que aconteceu recentemente com Monogram (1955-59), uma peça do norte-americano Robert Rauschenberg (1925-2008), que pertence ao Museu de Arte Moderna de Estocolmo.

A notícia está no jornal especializado The Art Newspaper e os pormenores da operação são dados a conhecer em pequenos textos publicados no site do museu sueco responsável pelo exame a esta obra composta por uma cabra angorá empalhada que o artista comprou num ferro-velho de Nova Iorque por 15 dólares (a crédito), em 1955, colocada em pé sobre uma pintura, com o focinho coberto de tinta e um pneu a envolvê-la.

O museu de Estocolmo, que se associou ao instituto do património sueco para conduzir os exames a Monogram – recorreram a radiografias digitais e a fluorescências de raios X para avaliar a estabilidade da estrutura interna e descobrir de que materiais é afinal feita –, garante que a obra deste pintor e escultor americano, que por regra é associado ao expressionismo abstracto e às vésperas da pop art, não inspira grandes preocupações. Foi por isso mesmo que, apesar de sublinharem sempre que se trata de uma obra de grande fragilidade, os técnicos suecos autorizaram a sua digressão que começou no início do mês de Dezembro na Tate Modern de Londres (a retrospectiva de Rauschenberg fica até 2 de Abril) e que segue depois para os museus de arte moderna de Nova Iorque e de S. Francisco, nos EUA.

A bateria de testes científicos não invasivos inclui ainda um estudo dos pigmentos usados e permitiu às conservadoras My Bundgaard e Thérèse Lilliegren concluir, por exemplo, que a cabra tem vestígios de arsénio – “algo que é comum encontrar nas colecções de história natural como medida preventiva contra insectos e outras pragas”, diz a primeira ao Art Newspaper –, e uma perna partida, permanecendo de pé graças a uma estrutura de ferro.  

“A cabra está bastante bem, à parte de algum stress no sítio do pneu”, explicava no site do museu Thérèse Lilliegren, quando os exames estavam ainda em curso. “Também está ligeiramente inclinada para um dos lados e estamos a tentar perceber até que ponto porque não queremos que essa inclinação piore.”

Monogram é uma das peças mais célebres de Rauschenberg e os pedidos de empréstimo que Estocolmo recebe de museus espalhados pelo mundo são muitos. Poucos recebem resposta positiva. A obra faz parte da série que ficaria conhecida como “combinados” (1954-1964), em que o artista associa à pintura a escultura, jornais e objectos vários, numa espécie de colagem que desafiava todos os discursos sobre a “pureza” das formas de expressão (ele chamava a este conjunto de trabalhos “pintura combinada”).

“Não é exagero dizer que Rauschenberg redefiniu a arte americana quando inventou os seus combinados. Com eles fez explodir as fronteiras entre a pintura e a escultura e trouxe a rua para dentro do estúdio”, pode ler-se no site do Museu de Arte Moderna de Estocolmo.

Monogram foi exposta pela primeira vez em Nova Iorque, em 1959, e muitas são as histórias à sua volta. Uma delas garante que, quando comprou a cabra angorá no ferro-velho, Robert Rauschenberg passou horas a lavá-la com champô para cão, tentando remover décadas de pó acumulado.

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