Onde estão as colecções portuguesas

Em Portugal encontram-se dos maiores acervos osteológicos de referência do mundo. Têm um total de cerca de 4475 indivíduos com identidade identificada.

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Armários onde está guardada a Colecção de Esqueletos Identificados do Século XXI da Universidade de Coimbra Sérgio Azenha

Do Porto a Évora, passando por Coimbra e Lisboa, é aí que se encontram as colecções de esqueletos humanos identificados do país – colecções ditas “de referência”, uma vez que, sabendo-se quem eram aquelas pessoas, os seus ossos podem ser isso mesmo, uma referência em diversos estudos, ou seja, são dicionários osteológicos das populações humanas recentes.

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Do Porto a Évora, passando por Coimbra e Lisboa, é aí que se encontram as colecções de esqueletos humanos identificados do país – colecções ditas “de referência”, uma vez que, sabendo-se quem eram aquelas pessoas, os seus ossos podem ser isso mesmo, uma referência em diversos estudos, ou seja, são dicionários osteológicos das populações humanas recentes.

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O antropólogo Francisco Ferraz de Macedo: os vizinhos chamavam-lhe “o Ferraz das caveiras” DR

Em Portugal, a tradição científica de criar colecções de ossadas humanas remonta aos finais do século XIX. Foi quando o médico e antropólogo português Francisco Ferraz de Macedo (1845-1907) começou a construir uma colecção em Lisboa, a primeira de esqueletos identificados do país, indo buscá-los a vários cemitérios da capital. Tinha mais de mil crânios na sua casa na Graça (os vizinhos chamavam-lhe “o Ferraz das caveiras”). Em 1907, Ferraz de Macedo doou a colecção – 1100 crânios e pelo menos um esqueleto completo –, que usou em vários estudos, ao museu da antiga Escola Politécnica, agora Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC) de Lisboa. Hoje sobram 30 esqueletos da Colecção Ferraz de Macedo, como é conhecida, tudo o resto foi destruído no grande incêndio de 1978 da antiga Escola Politécnica.

O grosso das colecções de antropologia do MUHNAC é actualmente um conjunto de cerca de 1700 esqueletos completos, provenientes de cemitérios de Lisboa. É a Colecção de Antropologia Luís Lopes.

Começou a ser construída em 1981, pelo assistente Luís Lopes, e depois foi continuada no início do século XXI por Hugo Cardoso, o investigador no centro da polémica do envio de esqueletos para o Canadá e que agora está na Universidade de Simon Fraser. “Luís Lopes foi buscar aos cemitérios não só crânios, mas esqueletos completos. Hugo Cardoso foi buscar novamente esqueletos aos cemitérios, mas de forma mais selectiva. Foi colmatar as deficiências da colecção, incidindo em adultos jovens e crianças”, explica Susana Garcia, curadora convidada das colecções de antropologia do MUHNAC.

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A antropóloga Susana Garcia com as coleções do Museu Nacional de História Natural e da Ciência de Lisboa Daniel Rocha

Indo até Coimbra, a sua colecção mais antiga é composta por 585 crânios completos, recolhidos entre 1895 e 1903, por Bernardino Machado (que depois conhecemos da história como Presidente da República). Estes crânios vieram das escolas médicas de Lisboa, Coimbra e Porto, daí chamar-se Colecção de Crânios das Escolas Médicas.

A partir de 1915, a Universidade de Coimbra, ou mais exactamente Eusébio Tamagnini, director do Museu Antropológico, iniciou a nova Colecção de Esqueletos Identificados de Coimbra, oriundos do cemitério da Conchada, o principal da cidade. Tem 505 esqueletos completos, de pessoas que morreram entre 1904 e 1938. Do mesmo cemitério, Eusébio Tamagnini criou a Colecção de Trocas Internacionais, com 1075 crânios completos recolhidos entre 1932 e 1942, com o objectivo de trocar material osteológico com outros países (o que não chegou a ocorrer).

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Armários onde estão guardados os equeletos das colecções da Universidade de Coimbra Sérgio Azenha

Grande procura internacional

“No conjunto, o material osteológico das três colecções [de Coimbra] representa um total de 2165 indivíduos”, segundo um artigo de Eugénia Cunha e Sofia Wasterlain, da Universidade de Coimbra, publicado na revista Documenta Archaeobiologiae em 2007.

“O número de artigos escritos nos últimos 12 anos relativos à colecção estima-se em mais de 50”, diziam então no artigo. “Desde 1995, mais de 20 teses de doutoramento usaram os materiais de Coimbra por estudantes de Portugal, Espanha, França, Itália, Brasil, EUA e Canadá, o que atesta a sua relevância como um recurso valioso para investigação. Os assuntos variam e incluem paleopatologia, morfologia, evolução humana e a determinação do sexo e da idade”, escreviam as duas investigadoras, acrescentando que houve o mesmo número de teses de mestrado entre 1995 e 2007 e que muitos cientistas estrangeiros usam as colecções de Coimbra em estudos após o doutoramento ou como fonte de projectos internacionais.

E em 2007, a universidade iniciou a Colecção de Esqueletos Identificados do Século XXI: tem agora cerca de 300 ossadas que ninguém reclamou, do cemitério de Santarém. “Temos de investigar os padrões de agora nos ossos – a morfologia, as patologias, o envelhecimento – e não como há cem anos”, explica a antropóloga Eugénia Cunha. É que não só vivemos mais, como estamos mais altos ou mudámos a dieta.

Mas Hugo Cardoso também criou outra colecção, a partir de 2011, quando estava na Faculdade de Medicina do Porto. Os esqueletos são dos cemitérios de Agramonte e do Prado do Repouso. Segundo Hugo Cardoso, esta colecção tem agora cerca de 100 esqueletos e está à guarda da delegação norte do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.

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Cemitério de Agramonte, no Porto Paulo Pimenta

Mais a sul, a Universidade de Évora começou a sua colecção no final dos anos 90, com esqueletos de um dos cemitérios da cidade, o dos Remédios. “Ainda é relativamente pequena, tem cerca de 180 esqueletos. São de pessoas que morreram, algumas delas no final do século XIX e a maioria na primeira metade do século XX”, conta Teresa Matos Fernandes, curadora da Colecção de Esqueletos Identificados de Évora.

É uma colecção que já tem pessoas mais idosas. “Estamos a apanhar o reflexo da longevidade das populações. A grande maioria dos esqueletos de Évora é de pessoas que morreram já com uma idade avançada”, nota a investigadora.

Os antropólogos têm, por exemplo, dificuldade em determinar a idade de alguém que morreu com mais de 50 anos cuja identidade é desconhecida. Com o envelhecimento generalizado da população, sobretudo europeia, os padrões de identificação a partir do esqueleto são reduzidos. E as colecções de referência têm geralmente esqueletos de pessoas mais novas; daí a importância da criação de novas colecções de esqueletos humanos identificados que ajudem os antropólogos a definir melhor a idade das pessoas mais velhas.

“As colecções de Coimbra, Évora, Lisboa e Porto servem como laboratório de pesquisa para desenvolver métodos para diagnóstico sexual (ver se é homem ou mulher) e de algumas patologias [identificar as lesões deixadas nos ossos], de estimativa da idade, cálculos da estatura”, exemplifica Eugénia Cunha. “Sendo as pessoas das colecções identificadas, podemos ser assertivos em muitos parâmetros, o que permite fazer melhores identificações e desenvolver métodos adaptados à realidade.”

Fazendo as contas, se juntarmos o total de 2465 esqueletos de indivíduos em Coimbra aos 1730 de Lisboa, aos 100 do Porto e aos 180 de Évora, as colecções de referência portuguesas têm globalmente materiais osteológicos de cerca de 4475 indivíduos.

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Os crânios que restaram da coleção de Ferraz de Macedo depois de um incêndio Daniel Rocha

“No total, Portugal teve cinco importantes séries de referência. Depois da destruição da mais antiga [a de Lisboa, no incêndio] existem agora quatro disponíveis para estudo, o que significa, ainda assim, que Portugal tem uma das maiores e mais importantes séries de material osteológico identificado do mundo”, notavam Eugénia Cunha e Sofia Wasterlain.