Este Édipo saiu de uma fotografia de Sebastião Salgado

António Lagarto criou uma cenografia a preto e branco.

Fotogaleria

Nas primeiras conversas que encenador e cenógrafo tiveram sobre este Oedipus Rex que se estreia na quinta-feira, Ricardo Pais mencionou as fotografias de Sebastião Salgado das minas de ouro na Serra Pelada. “Um tipo de paisagem que identificamos com o desespero da humanidade, da condição humana”, explica o cenógrafo António Lagarto, que volta novamente ao Teatro Nacional de São Carlos depois de na última temporada ter também assinado um trabalho.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Nas primeiras conversas que encenador e cenógrafo tiveram sobre este Oedipus Rex que se estreia na quinta-feira, Ricardo Pais mencionou as fotografias de Sebastião Salgado das minas de ouro na Serra Pelada. “Um tipo de paisagem que identificamos com o desespero da humanidade, da condição humana”, explica o cenógrafo António Lagarto, que volta novamente ao Teatro Nacional de São Carlos depois de na última temporada ter também assinado um trabalho.

Por isso, esta é uma ópera que quer ser maioritariamente a preto e branco, uma metáfora da tragédia grega de Sófocles, “em que o destino está marcado desde a nascença e nada vai mudar”. Tal como os mineiros sujos de lama, cinzentos, Édipo também não tem nenhuma saída e já sabemos qual é o seu fim: “Essa cor não-cor pareceu-me fundamental para criar o ambiente da cenografia.”

Com a paleta definida, que tem umas variantes de azul que chegam ao lilás através das luzes e dos figurinos, o cenógrafo partiu para criar um espaço que contivesse a tragédia, porque António Lagarto “vê sempre a cenografia como um contentor do texto”. Decidiu colocar o coro masculino atrás de um muro no fundo do palco: “Os 36 homens estão tapados até ao torso e funcionam como bustos falantes, como cabeças falantes.” Constroem o último plano, um scenae frons, apenas interrompido pela porta régia reservada para a entrada e a saída de cena de Édipo, uma referência aos teatros da Antiguidade Clássica em que o cenário é a própria arquitectura. São também um tribunal perturbador e desafiante, o povo de Tebas, que os espectadores têm de enfrentar.

Numa ópera-oratório em que não se passa muita coisa (o próprio Stravinsky via as personagens como estátuas vivas), o artifício “permite reduzir bastante a profundidade de cena” e concentrar o que se passa no palco.

Depois há um trivium, ziguezagueante e sobrelevado, que completa “uma paisagem fria, despida, sem decoração”. Um caminho de três encruzilhadas, feito em chapa galvanizada, onde Édipo terá matado, sem saber, o seu pai e os soldados. É neste trivium, aqui já não metafórico, que Édipo e Jocasta se encontram e o narrador passeia um carrinho de bebé.

E mesmo o carro de bebé, que aparece no início e no fim, o cenógrafo entende-o como um performer e não como um adereço. Representa o nascimento de Édipo, mas também o seu abandono, porque no princípio encontra-se vazio e no final é aí que ele surge já cego: “Porque Édipo é aquele que todos nós sabemos que mata o pai e descobre um dia que casou com a mãe. É a tragédia de não haver livre-arbítrio.”

A fíbula dourada necessária à tragédia, que Édipo arranca à mãe para com ela se cegar, transforma-se aqui num prego de cabelo, que é uma citação do penteado de Martha Graham na coreografia Night Journey. Jocasta exibe-o desde o início e nós interrogamo-nos de onde é que aquilo vem.