Costa risonho garante que este é o OE que, em 20 anos, “menos alterações fiscais faz”

Numa entrevista à TVI, o primeiro-ministro diz que, se houvesse margem orçamental, sobretaxa já teria acabado em 2016. Revisão dos escalões ainda não foi para a frente, mas é para cumprir durante a legislatura.

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António Costa dá entrevista à TVI DRO DANIEL ROCHA

António Costa até parecia querer mais. “Não percam a oportunidade, podem não ter outra”, disse bem-disposto aos jornalistas que o entrevistavam. Dizia que respondia a todas as perguntas: “Já não é mau, ah?”. Brincou com o facto de a entrevista estar dividida em dois momentos, esperando que os espectadores não perdessem as “cenas do próximo capítulo”. Foi um primeiro-ministro descontraído aquele que apareceu na noite desta quinta-feira na entrevista de cerca de uma hora que passou na TVI e TVI24.

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António Costa até parecia querer mais. “Não percam a oportunidade, podem não ter outra”, disse bem-disposto aos jornalistas que o entrevistavam. Dizia que respondia a todas as perguntas: “Já não é mau, ah?”. Brincou com o facto de a entrevista estar dividida em dois momentos, esperando que os espectadores não perdessem as “cenas do próximo capítulo”. Foi um primeiro-ministro descontraído aquele que apareceu na noite desta quinta-feira na entrevista de cerca de uma hora que passou na TVI e TVI24.

Nela, e embora faça críticas à forma como decorreu o debate público em torno do Orçamento do Estado (OE) para 2017, António Costa mostra satisfação com o trabalho feito: diz que este é o OE que menos alterações fiscais faz, nos últimos 20 anos, e volta a repetir a promessa de rever os escalões do IRS durante a legislatura. Mas há uma outra data estabelecida: o socialista quer que, no final do ano, “todas as situações” que têm penalizado o sistema bancário estejam ultrapassadas.

As questões da banca ocuparam a segunda parte da entrevista; primeiro foi o OE. António Costa admite que a leitura deste pode ser plural, mas garante que é de esquerda. Porquê? Porque há reposição de rendimentos. “Há uma viragem clara relativamente aos últimos quatro anos”, disse, sublinhando que, mesmo assim, vai conseguir-se “pela primeira vez” ter “um défice abaixo dos 3%”.

Costa sorriu em vários momentos, e confiante no documento que o Governo apresentou. Fez o gesto de quem pega numa arma, e sempre sorridente, explicou a razão que levou a executivo a optar por impostos como aquele – sobre os cartuchos. E defendeu as opções do Governo: “Não é o mesmo taxar refrigerantes ou aumentar o IVA para tudo.”

Sorriu quando falou da relação entre o Governo e os partidos de esquerda que o apoiam: “Por alguma razão não somos um só partido”, disse garantindo, no entanto, que “não houve nenhum momento difícil”, precisamente porque todos conhecem as diferenças que têm e acordaram o que os pode unir.

Costa está optimista, mesmo sabendo que o crescimento económico não é o desejável – o que justifica com a desaceleração global da economia. O primeiro-ministro sabe que não está “tudo bem” mas também não podia estar, diz. A explicação até parece um adágio: “Tudo o que tão mal esteve demorará muitos anos a estar bem.”

“Cenas do próximo capítulo”

A sobretaxa ocupou, claro, boa parte da entrevista. António Costa até se chegou a queixar de que, com um documento tão grande, só se fale se pensões e sobretaxa. Este último aspecto começou por ser abordado mesmo no final da primeira parte, ainda no Jornal das 8 da TVI. O mote foi lançado e os jornalistas desafiaram os espectadores para continuarem a ver a entrevista na TVI24.

Então as explicações ficam para as “cenas do próximo capítulo”? Não fosse o diabo (que Costa disse, afinal, não ter aparecido, como pressagiou o líder da oposição) tecê-las e os espectadores não ficarem para a segunda parte, e o primeiro-ministrou quis deixar logo claro que a sobretaxa desaparece em 2017 para todos os contribuintes (ainda que de forma faseada).

Apesar de os partidos de esquerda que apoiam o Governo sempre terem defendido que a sobretaxa deveria acabar a 1 de Janeiro de 2017, tal como estipulado por lei, o Governo decidiu que o seu fim será faseado. “Se tivéssemos margem orçamental já tinhamos acabado em 2016 com a sobretaxa para todas as pessoas”, começa por dizer o primeiro-ministro, recusando estar a adiar o problema ao optar pelo faseamento. “Não é empurrar com a barriga, é ir executando a redução da carga fiscal de forma sustentável e compatível com o objectivo que também temos e que o país colectivamente assume, com maior ou menos gosto, de irmos reduzindo o nosso défice e melhorando a nossa situação financeira”, justificou.

Outra promessa que continua por cumprir é a revisão dos escalões do IRS. Ora, Costa volta a explicar que não foi ainda possível avançar com a medida, mas não está esquecida. “Está no programa de Governo uma revisão dos escalões do IRS. Não foi possível fazer em 2017, iremos continuar a trabalhar para que seja cumprido esse objectivo”, disse mais uma vez. Ainda há tempo para cumprir a promessa, defendeu o primeiro-ministro: “O programa de Governo é para quatro anos.”

Foi nesta passagem que António Costa fez o exercício de memória que lhe permitiu concluir que este é o OE que menos alterações fiscais faz nas duas últimas décadas. “É o Orçamento que seguramente, nos últimos 20 anos, já não digo mais porque não tenho memória para isso, menos alterações fiscais faz”, disse o primeiro-ministro socialista, criticando o “ruído” criado à volta do documento e que criou a “impressão” inversa.

“Durante muitas semanas andámos a discutir desgarradamente coisas. Semanas a discutirem uma alteração do sistema de deduções das despesas escolares. Pura e simplesmente não está no Orçamento. Muita gente deve estar convencida que vai haver alterações ao sistema de deduções das despesas escolares que não existe”, ilustrou Costa, sublinhando que, “espremido”, o OE tem apenas dois impostos novos – o do imobiliário (para património acima de 600 mil euros) que “abrange poucos contribuintes e não penaliza a actividade económica” e a “taxação sobre os refrigerantes”, enumerou. 

Este é um executivo, pelo menos para Costa, preocupado em não fazer grandes reviravoltas: “Quanto ao resto são os impostos que já existiam que têm as suas utilizações normais e correntes. Nós temos tido, aliás, uma grande política de estabilidade. Tinhamos assumido o compromisso de só legislarmos num Conselho de Ministros por mês e temos cumprido.”

Costa tinha sido questionado sobre o facto de a social-democrata Ferreira Leite ter dito que este era um Orçamento da instabilidade fiscal. Antes de o OE ser conhecido, e precisamente sobre as notícias que davam conta do aumento de impostos indirectos, já o Presidente da República tinha colocado alguma pressão sobre o executivo, quando disse ao jornal online Eco que é necessário ter "atenção à estabilidade fiscal", por ser "importante em termos de investimento".

O primeiro-ministro também sorriu e fez uma graça quando foi questionado sobre a relação entre o executivo e o Presidente da República. Brincou com o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ter sido comentador, o Presidente é que era o comentador que avaliava os agentes políticos. Mas Costa – que também foi comentador – lá fez a sua avaliação positiva. “Há muito tempo que ninguém se recorda de vivermos no país a tranquilidade política e social como no último ano”, disse. A relação entre executivo e Presidente é “absolutamente impecável”, acrescentou. Se essa é mais visível com este Presidente do que com o seu antecessor Cavaco Silva, Costa atribuiu à personalidade de Marcelo.

Problemas na banca resolvidos até ao fim do ano

Sobre as questões da banca, Costa voltou a dizer, tal como tinha já afirmado em entrevista ao PÚBLICO, que espera ter, até ao final do ano, uma solução para o crédito malparado da banca. O primeiro-ministro diz que este assunto já não se vai colocar na Caixa Geral de Depósitos (CGD), uma vez que o crédito malparado fica resolvido com a recapitalização. Contudo, é na mesma necessário o chamado “banco mau” para resolver o problema nos restantes bancos. Costa recusa falar em “banco mau”, é mecanismo, defende.

“Estamos a trabalhar com o Banco de Portugal para termos, brevemente, uma medida sistémica que possa ser aplicada por igual a todo o sistema bancário nacional”, afirmou ainda Costa.

Sem se comprometer com um calendário, o primeiro-ministro acrescentou: “O objectivo que tenho, já o disse publicamente, é que no final deste ano tenhamos ultrapassado todos as situações que têm penalizado o nosso sistema bancário. Relativamente à CGD o problema está resolvido. Creio que há bons indícios de que há intenções firmes de investimento por parte de investidores estrangeiros na capitalização de dois grandes bancos privados.”

“Aguardamos as propostas que o Banco de Portugal nos venha a apresentar sobre a venda do Novo Banco e o grupo de trabalho que o Governo tem mantido com o Banco de Portugal sobre os NPL, non-performing loans [crédito malparado] está a correr bem. Portanto, acho que brevemente teremos um quadro sistémico que permita encontrar uma solução.”

Só mesmo, mesmo no final é que Costa perdeu subitamente o sorriso e pôs um ar mais carregado. Aconteceu quando ouviu a questão: “Por que é que a Europa não gosta de nós?”. Mais tempo tivesse, e mais teria contrariado a ideia. Disse que o presidente da Comissão Europeia tem sido “amigo” de Portugal e garantiu: “Eu gosto da Europa e temos tido relações construtivas com a União Europeia.”