“Os refugiados não são um problema. Quem é refugiado, sim, tem problemas”

A Grécia tem de momento 60 mil refugiados, muitos em campos que albergam o dobro do que deviam. O vice-ministro da Defesa da Grécia, Dimitris Vitsas, encarregado pela gestão da questão no país, falou brevemente ao PÚBLICO durante uma visita a Lisboa.

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O vice-ministro grego queria que os muros fossem feitos “não para deixar cada sociedade isolada, mas que haja um muro humanitário” Nuno Ferreira Santos

Um país que tem a seu cargo 60 mil pessoas em fuga da guerra ou da pobreza, como a Grécia neste momento, pode sempre fazer melhor. O responsável do Governo grego pela questão dos refugiados, Dimitris Vitsas, reconhece-o e anuncia várias medidas de mudança que espera ter prontas até ao final do ano. Mas o responsável recusa-se a falar de um problema de refugiados: “Note que falo na questão dos refugiados, não de um problema”, diz a dada altura numa curta entrevista durante a sua passagem por Lisboa, na semana passada. “Porque o verdadeiro problema é a guerra na Síria.”

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Um país que tem a seu cargo 60 mil pessoas em fuga da guerra ou da pobreza, como a Grécia neste momento, pode sempre fazer melhor. O responsável do Governo grego pela questão dos refugiados, Dimitris Vitsas, reconhece-o e anuncia várias medidas de mudança que espera ter prontas até ao final do ano. Mas o responsável recusa-se a falar de um problema de refugiados: “Note que falo na questão dos refugiados, não de um problema”, diz a dada altura numa curta entrevista durante a sua passagem por Lisboa, na semana passada. “Porque o verdadeiro problema é a guerra na Síria.”

“O refugiado é alguém que tem problemas - não é ele o problema”, insiste. “O problema é o ISIS [ou Daesh, o autodenominado Estado Islâmico], os traficantes de pessoas, os países que começam guerras - estes são os verdadeiros problemas.”

Mas não há dúvidas de que há dificuldades relacionadas com a grande chegada de refugiados e migrantes à Grécia. Há relatos de campos com o dobro das pessoas que a sua capacidade permitiria, e em que a falta de condições leva por vezes a desacatos violentos. Em ilhas como Lesbos ou Quios, as duas mais próximas da Turquia, houve recentemente protestos: em Lesbos pediam-se mais condições no campo de Moria, e em Quios uma manifestação acabou com membros do partido neonazi Aurora Dourada a agredir jornalistas presentes. Organizações não governamentais criticaram aspectos como a detenção de menores por falta de outras soluções

No imediato, o ministro diz que 20% dos refugiados nas ilhas vão ser levados nos próximos dias para a Grécia central, e que os centros de acolhimento no ponto de chegada vão ser melhorados. Porque ainda continuam a chegar pessoas, embora sem comparação com os números do Verão passado, e os locais de acolhimento já ultrapassaram em muito a sua capacidade.

Avaliando o acordo com a Turquia, Vitsas contabiliza: “Depois do acordo chegavam 50 a 60 pessoas por dia [às ilhas do Mar Egeu]; nos últimos dias, está a ultrapassar as cem pessoas por dia”. Mas, “por comparação, desde o início de 2016 até ao acordo tínhamos entre 600 e mil pessoas, e no Verão de 2015 eram cerca de 3 mil por dia”. Às preocupações de pessoas nas ilhas de ver o número aumentar após a tentativa de golpe de 15 de Julho na Turquia, Vitsas diz que os responsáveis turcos que estavam nas ilhas (e que foram retirados por Ancara após o golpe falhado) já regressaram.

O vice-ministro diz que daqui até ao final do ano estará concluída uma nova fase do programa de acolhimento, em que espera que o número de campos diminua dos actuais 50 para 30 a 32, com as restantes pessoas acolhidas de preferência em casas e hotéis - que são arrendados pelas Nações Unidas, que pagam também as despesas correntes. Neste momento há 5 mil pessoas em casas e 3 mil em hotéis, indicou.

Ensino para crianças

Também está incluído na nova fase um programa de ensino para crianças, "porque 20 mil pessoas das 50 mil que estão na Grécia central têm menos de 18 anos", diz o responsável. O país tem falta de alojamento para crianças, e no único campo exclusivamente para menores não acompanhados, em Amygdaleza (gerido por uma ONG), faltam muitas coisas, de colchões a algo que permita ocupar o tempo livre das crianças e, claro, aulas.

O vice-ministro diz que nesta nova fase do programa de acolhimento aumentará o papel das câmaras municipais: “a experiência de Portugal neste campo é muito importante”, nota. 

Ainda em relação a Portugal, o responsável quis deixar uma nota de agradecimento pela ajuda no âmbito do Frontex: a Polícia Marítima portuguesa está presente em Lesbos desde Outubro passado, salvou já 3532 refugiados e migrantes e deteve cinco traficantes, e destacou também a participação do país no esquema de recolocação de refugiados noutros países da União Europeia (o primeiro-ministro português, António Costa, duplicou a oferta da quota portuguesa).

Afinal, Portugal faz parte de uma minoria de países que aceitou receber refugiados, contra os muitos mais que se têm recusado, aponta Vitsas, referindo-se especialmente ao grupo de Visegrado (Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia). 

Muros contra a xenofobia

Para além de vários países resistirem à redistribuição, a falta de peritos que façam a avaliação dos pedidos de asilo na Grécia está a atrasar o processo de recolocação dos refugiados que estão na Grécia: “A União Europeia só mandou 50 inspectores quando tinha prometido 500”, diz Vitsas. 

O vice-ministro disse que apesar de saber que é possível fazer melhor - e de querer fazer melhor - tem orgulho pelo modo como os gregos têm recebido os refugiados. Recentemente, duas organizações gregas receberam o prémio anual do ACNUR pelo seu trabalho no salvamento e acolhimento de refugiados.

Assim, o que a Grécia e outros países como Portugal, Itália ou França - que recentemente se reuniram numa cimeira de países do Sul para apresentar uma frente comum na questão dos refugiados tentando contrariar o outro grupo informal de países, o de Visegrado - têm de fazer é lutar para que a União Europeia faça uma melhor redistribuição. E que os muros sejam feitos “não para deixar cada sociedade isolada, mas que haja um muro humanitário, contra o racismo e a xenofobia”. Uma sugestão feita pouco depois de o ministro dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo ter chegado a sugerir a expulsão da Hungria da União Europeia pelas suas atitudes anti-democráticas.