Os gregos que se recusaram a ficar parados foram premiados pela ONU

Prémio Nansen para os Refugiados 2016 atribuído a equipa de salvamentos no mar e a abrigo para pessoas vulneráveis.

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Voluntária da Pipka ensina a nadar meninos refugiados em Lesbos Gordon Welters/AFP/ACNUR

Quando, no Verão passado, começaram a chegar botes e botes de borracha com dezenas de pessoas a bordo, houve coisas que os habitantes de algumas ilhas gregas nunca tinham visto antes. Um pescador testemunhou, pela primeira vez, alguém afogar-se  nunca tinha sido confrontado com o facto de que se alguém não souber nadar, não irá flutuar. Um pastor viu as suas ovelhas, no alto do monte, assustar-se com os gritos de quem chegava nos barcos, em dificuldades no mar. Também viu como se habituaram.

A escala sem paralelo de pessoas a arriscar a vida no trajecto marítimo da Turquia para as ilhas gregas levou a esforços da sociedade civil também sem paralelo. Foram estes esforços que o Alto Comissariado para as Nações Unidas (ACNUR) quis distinguir com o Prémio Nansen para os refugiados 2016: os vencedores foram a Equipa Helénica de Resgate, que actuou em várias ilhas gregas (representada por Konstantinos Mitragas, de Salónica, no Norte da Grécia continental), e Efi Latsoudi, que criou a Pikpa, com um centro de acolhimento para os refugiados mais vulneráveis, como crianças ou pessoas com deficiência, em Lesbos.

“Os esforços [da Equipa Helénica de Resgate e de Efi Latsoudi] caracterizam o enorme apoio público à emergência de refugiados e migrantes na Grécia e pela Europa, em que milhares de pessoas agiram por solidariedade com os que foram forçados a fugir”, declarou o alto-comissário para os Refugiados Filippo Grandi. Os premiados “recusaram-se a ficar parados enquanto testemunharam a situação dramática que se desenvolvia na costa”, com “centenas de milhares de pessoas a fazer uma tentativa desesperada de chegar à Europa em busca de segurança, muitos arriscando as vidas em barcos que não foram feitos para o mar, numa viagem que para muitos se provou impossível”, declarou.

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Konstantinos Mitragas e Efi Latsoudi Gordon Welters/AFP/ACNUR

O mar que parece calmo pode irromper em tempestades e ventos fortes e muitos refugiados viajaram com coletes comprados na Turquia que, em vez de ajudarem a flutuar, levavam as vítimas para o fundo.

“A grande dificuldade foi o luto, os mortos”, disse Efi Latsoudi à agência francesa AFP. O seu centro, onde estão actualmente cem pessoas (chegaram a ser 600 no pico das chegadas), foi criado já em 2007, quando os refugiados iam chegando, mas a um ritmo diferente. Na altura conseguiu um edifício – um antigo centro para deficientes – e transformou-o num centro de acolhimento para menores, mulheres grávidas, deficientes, junto com uma equipa de voluntários.

Um milagre

“Não estávamos prontos para enfrentar o fluxo de 2015, passámos momentos muito difíceis. Mas graças a esforços colectivos, chegámos aqui. Foi um milagre”, disse Efi Latsoudi.

A organização de Konstantinos Mitragas também existe antes deste grande pico de travessias marítimas de refugiados. O capitão da Marinha e empresário encarrega-se da formação e das relações públicas da equipa, que tem cerca de 2500 membros espalhados pelas ilhas gregas. No Verão passado, a sua equipa trabalhou 24h por dia, sem folgas, no limite.

“As pessoas passavam cinco ou seis horas no barco, sem água ou comida, e alguns andavam depois pelas colinas, quatro horas, com 40 graus”, disse Yannis Charambous, um dos voluntários da equipa, à AFP. “Tivémos muitas vítimas, sobretudo pessoas idosas”, contou ainda.

O prémio (que tem o nome de Fridtjof Nansen, explorador polar, cientista, Prémio Nobel da Paz e o primeiro alto-comissário para Refugiados da Liga das Nações) é entregue aos dois voluntários gregos quando há milhares de refugiados que se mantém na Grécia contra a sua vontade após o encerramento das fronteiras, alguns em campos fechados. No final de Agosto, contavam-se 12.211 pessoas em campos nas ilhas do Mar Egeu – a capacidade destes centros é para apenas 7450 pessoas.

Após o golpe na Turquia, as chegadas à costa de ilhas como Lesbos ou Quios aumentaram também. Estão muito longe dos níveis de 2015, e já não se vêem coletes salva-vidas ao longo da costa. Mas todos os dias os jornais locais têm notícias de mais chegadas: nas últimas 24 horas, por exemplo, desembarcaram 103 pessoas em Lesbos e 30 em Samos. Lesbos e Quios, muito perto da Turquia (tanto que se apanha a rádio e a TV do outro lado) albergam  ou prendem – neste momento, 8700 refugiados, quando o limite é 4600.

A consequência da presença dos refugiados em ilhas cuja principal fonte de rendimento é o turismo fez com que esta época de Verão, um ano depois do auge da crise, as visitas diminuíssem. Hotéis e pensões sofreram com os cancelamentos de voos charter vindos de capitais europeias, tavernas têm muito menos clientes. Em Agosto, parece ter havido um aumento de turistas gregos e turcos, compensando um pouco os cancelamentos europeus, mas ainda assim, muitas pessoas que nas ilhas viviam de empregos sazonais ficaram este ano quase sem rendimento.

Muitos vêem isto como um castigo especialmente injusto depois de tudo o que passaram para ajudar no ano passado. Stratis Valamios, pescador de Lesbos, já não vê 50 barcos a ziguezaguear na sua direcção quando vai ao mar. Valamios foi o pescador que contou ao New York Times como antes de ver o primeiro bote afundar, “não sabia o que era um afogamento”. Do primeiro barco que viu, salvou dez pessoas, as outras dez afogaram-se. Foi então que percebeu “que se não sabe nadar, uma pessoa afunda-se como uma pedra”. Este ano perdeu parte do trabalho sazonal, num restaurante, que cortou pessoal por falta de clientes.

Yorgos Sofianis, o pastor cujas ovelhas se assustavam com os gritos das pessoas no mar, queixou-se do papel dos jornalistas, que vieram filmar a dor e espantar os turistas de Lesbos.

Muitas personalidades, do Papa ao secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, visitaram Lesbos, e foi mesmo proposto que os habitantes da ilha recebessem o prémio Nobel da Paz. O diário norte-americano Washington Post foi à ilha e ouviu pessoas que se sentem, agora, abandonadas. O Nobel da Paz não é para eles assim tão importante: “Não podemos comer prémios.”

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