Coronel alvo de processos na Protecção Civil é director na GNR

Presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil demitiu-se na sequência da abertura de um processo disciplinar proposto pela IGAI e relacionado com os helicópteros Kamov.

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A ministra da Administração Interna esteve nesta terça-feira na Protecção Civil, onde falou da demissão do seu presidente Enric Vives-Rubio

Um dos três militares a quem a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) imputa a violação do dever de zelo devido à forma como geriu, na Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), o processo de transferência dos seis helicópteros pesados Kamov para uma empresa que passou a operar as aeronaves é actualmente director de Recursos Logísticos da GNR.

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Um dos três militares a quem a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) imputa a violação do dever de zelo devido à forma como geriu, na Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), o processo de transferência dos seis helicópteros pesados Kamov para uma empresa que passou a operar as aeronaves é actualmente director de Recursos Logísticos da GNR.

Outro visado é o presidente da própria autoridade, o major-general Francisco Grave Pereira, que se demitiu nesta segunda-feira do cargo que ocupava desde Maio de 2014, na sequência das conclusões do relatório da IGAI, que lhe propõe a abertura de um processo disciplinar. Além de Grave Pereira, a IGAI imputa infracções ao director de serviços de Meios Aéreos da autoridade e ao director da GNR, o coronel José Teixeira, que antes foi director nacional de Recursos de Protecção Civil na ANPC, onde geria a parte financeira da instituição.

Em Março deste ano, o coronel foi nomeado pelo actual comandante-geral da GNR para director de Recursos Logísticos, gerindo nesta força um orçamento mais avultado do que na Protecção Civil. A nomeação aconteceu um mês e meio depois de a sua casa e o seu carro terem sido alvo de buscas da Polícia Judiciária num inquérito que investiga suspeitas de corrupção na autoridade e que ainda não tem arguidos constituídos.

O coronel ainda é visado num outro processo disciplinar por alegadamente ter pressionado funcionários da extinta Empresa de Meios Aéreos (EMA) para saírem do sector público quando aquela instituição fechou, prescindindo do direito de transitarem para as empresas que assumiram a operação das aeronaves do Estado. Ao saírem da EMA, estes trabalhadores sobrecarregavam o erário público, já que tinham direito a receber um subsídio do Estado, ficando as empresas que operam os helicópteros da protecção civil livres dos encargos que a integração desses trabalhadores iria representar durante os cinco anos do contrato. 

Os dois processos, investigados pela IGAI, tiveram origem em inquéritos abertos pelo anterior Governo na sequência de propostas do então secretário de Estado João Almeida. Foi, contudo, a actual ministra da Administração Interna quem determinou a conversão das investigações em processos disciplinares ao coronel José Teixeira, o único sob o qual possuiu tutela disciplinar. O porta-voz da GNR, o major Bruno Marques, confirmou que os dois processos estão em instrução naquela força. 

Contactado pelo PÚBLICO, José Teixeira também confirmou que já prestou depoimento em ambos os processos. “Tenho a minha consciência tranquila. Para mim é uma situação nova ao fim de 35 anos de trabalho”, afirma o militar, que entrou para a ANPC em Junho de 2013 por proposta do então presidente, major-general Manuel Couto, escolhido pelo ex-ministro Miguel Macedo para comandar a GNR.

Interesses lesados

O relatório final da IGAI concluiu que a Protecção Civil não acautelou devidamente os interesses do Estado no processo de transferência dos Kamov, que ditou a paragem dos cinco aparelhos (um está acidentado desde 2012) em Maio do ano passado. Actualmente, só três aparelhos estão operacionais, estando os outros dois ainda à espera de reparação.

Na altura da transferência dos Kamov foram detectados problemas “graves no estado das aeronaves”, que obrigaram a fazer reparações avultadas encomendadas à Everjets, que opera os três aparelhos. Até Maio do ano passado, a operação dos Kamov estava a cargo da própria autoridade e a manutenção era assegurada pela Heliportugal, a empresa que vendeu os aparelhos ao Estado. Quando a Everjets assumiu a operação das aeronaves recusou-se a receber quatro dos aparelhos, alegando dezenas de inconformidades. Na altura, a ANPC remeteu as responsabilidades para a Heliportugal.

A empresa garantiu, no entanto, que cumprira todas as ordens de reparação que o Estado tinha dado e realçava que não tinha sido apontada qualquer anomalia pela Protecção Civil antes de as aeronaves serem entregues à Everjets, uma empresa com quem mantém um aceso conflito desde 2013. A Heliportugal apresentou nos últimos anos várias queixas-crimes contra a concorrente alegando falsificações de documentos e favorecimento, participações estas que terão estado na origem do inquérito no âmbito do qual foram realizadas buscas em casa do coronel José Teixeira.

Processo judicial

A ministra da Administração Interna confirmou já nesta terça-feira que o relatório da IGAI seguiu para o Ministério Público, visto estar “a decorrer também um processo judicial”. Em declarações na sede da ANPC, em Carnaxide, onde se deslocou para uma reunião de balanço dos fogos, Constança Urbano de Sousa indicou que será um dos directores nacionais da Protecção Civil a assumir interinamente a presidência do organismo, não havendo ainda substituto para Grave Pereira. O PÚBLICO sabe que se trata do director nacional de Planeamento de Emergência, José Oliveira. A ministra escusou-se a avançar com os resultados do inquérito, justificando com a sua confidencialidade.

O relatório final da IGAI chegou há algumas semanas ao MAI, mas o facto de Grave Pereira e de o director de serviços, um tenente-coronel, serem oriundos do Exército obrigou a ministra a remeter os dois processos para o Ministério da Defesa, a entidade com tutela disciplinar sobre os dois militares.

Contactado pelo PÚBLICO, o assessor de imprensa da Defesa confirmou que a IGAI remeteu em meados de Agosto ao ministério uma cópia do processo, tendo o ministro proferido um despacho a 31 desse mês. "O ministro pediu a instauração do processo disciplinar ao chefe do Estado-Maior do Exército, que tem essa competência", adiantou Telmo Gonçalves. O porta-voz do Exército confirma que o processo disciplinar que visa Grave Pereira já foi aberto e se encontra em fase de instrução.