Presidente da Protecção Civil demite-se após proposta de processo disciplinar

IGAI imputa a Francisco Grave Pereira violação do dever de zelo na forma como a autoridade geriu o processo de transferência dos helicópteros Kamov para nova empresa.

Foto
IGAI imputa violação do dever de zelo aos três militares. Miguel Manso

O presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), o major-general Francisco Grave Pereira, demitiu-se esta segunda-feira do cargo que ocupava desde Maio de 2014, na sequência das conclusões do relatório da Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), que lhe imputam a violação do dever de zelo na forma como autoridade geriu o processo de transferência dos seis helicópteros pesados Kamov para a empresa que os está a operar, a Everjets.

O relatório final da inspecção, que sugere a abertura de processos disciplinares a mais dois responsáveis da autoridade – um dos quais já saiu da instituição – foi remetido para o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa. É aqui que corre um processo por suspeitas de corrupção e de outros crimes de colarinho branco que levou em Janeiro deste ano a Polícia Judiciária a casa do director nacional de Recursos de Protecção Civil da ANPC, responsável pelo pelouro financeiro da instituição. Este coronel, que entretanto saiu do organismo para regressar à GNR, donde é oriundo, é um dos três responsáveis a quem a IGAI imputa infracções disciplinares.

A IGAI concluiu que a Protecção Civil não acautelou devidamente os interesses do Estado neste processo, que ditou a paragem dos cinco aparelhos (um está acidentado desde 2012) em Maio do ano passado. Nessa altura, foram detectados problemas “graves no estado das aeronaves”, que obrigaram a fazer reparações avultadas encomendadas à Everjets. Até Maio do ano passado, a operação dos Kamov estava a cargo da própria autoridade e a manutenção programa era assegurada pela Heliportugal, a empresa que vendeu os aparelhos ao Estado. As duas empresas mantêm um aceso conflito desde 2013. A Heliportugal apresentou nos últimos anos várias queixas-crimes contra a concorrente alegando falsificações de documentos e favorecimento, participações estas que terão estado na origem do inquérito que corre no DIAP de Lisboa.

Segundo apurou o PÚBLICO, o major-general Francisco Grave Pereira apresentou esta segunda-feira a demissão à ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, numa reunião naquele ministério, tendo de seguida reunido com os dirigentes da autoridade nacional, na sua sede, em Carnaxide, para comunicar a decisão.

A ministra da Administração Interna confirmou já nesta terça­-feira que os resultados da inspecção da IGAI seguiram entretanto para o Ministério Público, visto estar “a decorrer também um processo judicial”.

Em declarações na sede da ANPC em Carnaxide, onde se deslocou para uma reunião e conferência de imprensa de balanço dos fogos de Agosto, Constança Urbano de Sousa indicou que será um dos directores nacionais da Protecção Civil a assumir interinamente a presidência do organismo, não havendo ainda substituto para Francisco Grave Pereira, que estava no cargo desde Maio de 2014.

A ministra escusou-se a avançar com os resultados do inquérito, justificando com a sua confidencialidade, e garantiu também que a ANPC vai "continuar o excelente trabalho que tem feito nesta época de incêndios e não só".

Dois directores também alvo de processos

O relatório final da IGAI chegou há algumas semanas ao MAI, sugerindo a abertura de três processos disciplinares, um ao presidente da ANPC, outro a um director de serviços da autoridade e um outro a um ex-director nacional, que entretanto deixou a instituição. O facto de o major-general Francisco Grave Pereira e de o director de serviços, um tenente-coronel, serem oriundo do Exército obrigou a ministra da Administração Interna a remeter os dois processos para o Ministério da Defesa Nacional, a entidade com tutela disciplinar sobre os dois militares.

Contactado pelo PÚBLICO, o assessor de imprensa da Defesa, Telmo Gonçalves, confirmou que a IGAI remeteu em meados de Agosto ao ministério uma cópia do processo, tendo o ministro proferido um despacho a 31 desse mês. "O ministro pediu a instauração do processo disciplinar ao chefe de Estado-Maior do Exército, que tem essa competência", adiantou Telmo Gonçalves. 

O inquérito da IGAI que esteve na origem da demissão do presidente da ANPC foi instaurado em Junho do ano passado por ordem da então ministra da Administração Interna, Anabela Rodrigues, na sequência de uma proposta do secretário de Estado João Almeida. Inicialmente a IGAI tinha 30 dias para entregar as conclusões das suas averiguações, mas as investigações acabaram por implicar o prolongamento do inquérito por vários meses, o qual apenas foi concluído há semanas.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários