O vento invisível de Haegue Yang já sopra em Serralves

A artista sul-coreana, que esta terça-feira inaugurou Parque de Vento Opaco em Seis Dobras, acredita que o Porto pode voltar a inspirá-la.

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A escultura de Haegue Yang evoca uma história de migrações cruzadas ADRIANO MIRANDA
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A artista sul-coreana nos jardins de Serralves ADRIANO MIRANDA
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Os pequenos ventiladores eólicos sugere a comunicação invisível entre migrantes de várias nacionalidades ADRIANO MIRANDA
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Parque de Vento Opaco em Seis Dobras é a segunda intervenção no Parque de Serralves ao abrigo de uma parceria com a Sonae ADRIANO MIRANDA

São cinco torres de formato e dimensão variáveis, construídas com tijolo de barro cozido de diferentes colorações e unidas por um percurso geométrico de lajes quadradas. No topo destas torres, rodam lentamente ventiladores eólicos de alumínio, usados em edifícios industriais para renovar o ar sem recurso a motores. E embutidos nas paredes de tijolo, vêem-se cactos, heras e outras plantas. Ligeiramente deslocadas deste complexo central, como se já não fizessem bem parte dele, duas pequenas esculturas, também em tijolo, uma delas com uma muito portuguesa andorinha em cerâmica.

Parque de Vento Opaco em Seis Dobras foi o nome que a artista coreana Haegue Yang deu ao conjunto, inaugurado esta terça-feira nos jardins de Serralves, em diálogo com o museu de Siza Vieira. É a segunda encomenda feita a uma artista internacional, no âmbito do Projecto Sonae/Serralves, para criar uma peça propositadamente para o parque da fundação. A primeira tinha sido à iraniana Nairy Baghramian (radicada em Berlim, tal como Haegue Yang), que em 2014 criou no Porto o conjunto de esculturas Cold Shoulder.

Neste Parque de Vento Opaco em Seis Dobras, a artista coreana utiliza os mesmos materiais a que recorrera em An Opaque Wind, a intervenção escultural ao ar livre que criou no ano passado para a bienal de Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos. E a única ideia que trazia na cabeça quando chegou a Serralves, disse ao PÚBLICO, era justamente a de retomar esses tijolos e ventiladores, com os quais quisera sugerir a reconstituição das sucessivas camadas históricas que foram compondo a civilização humana, incluindo as infraestruturas industriais das nações modernas, mas também essa “comunicação invisível” entre as comunidades de trabalhadores migrantes de várias nações que raramente chegam a conviver umas com as outras nos países onde vão procurar melhores condições de vida.  

Não tinha previsto, por exemplo, usar plantas. “Não conhecia o Porto nem o Parque de Serralves e, para ser franca, vinha com a intenção de fazer uma coisa muito provocadora, crítica, subversiva, mas depois cheguei e vi isto, e pensei que talvez não fosse o sítio certo para fazer algo desse género”, conta. “É um lugar tão pacífico, onde as famílias vêm com as crianças, de modo que comecei a pensar na vegetação, e também na arquitectura do Siza." O arquitecto português é conhecidíssimo na Coreia, garante Haegue Yang. “Quando disse que vinha ao Porto, toda a gente me perguntava se me ia encontrar com o Siza."

A artista vive há mais de 20 anos na Alemanha, primeiro em Frankfurt e agora em Berlim, e dá também aulas de arte em Malmö, na Suécia, mas continua a passar bastante tempo na Coreia, e a inspiração para An Opaque Wind veio-lhe do seu conhecimento, até por razões familiares, das grandes migrações de coreanos que foram trabalhar nos anos 70 para países árabes.

“O meu pai, os meus tios, foram trabalhar para o Médio Oriente, todas as famílias tinham alguém emigrado nessa zona, e também no Norte de África: nos anos 70, tínhamos pouco dinheiro e os árabes, que não gostavam de trabalhar com os ocidentais, iam buscar trabalhadores baratos aos países asiáticos”, diz. Uma realidade que “se repete agora com outras gerações e outros países”. Nos Emirados Árabes Unidos, observa, “os trabalhadores coreanos não comunicavam, por exemplo, com os do Bangladesh, mas o encontro físico dessas comunidades criou entre elas uma relação que é um facto histórico, e a pergunta que me fiz foi: como mostrar essa comunicação invisível, muda, sem provas materiais?”. O vento invisível que faz girar as leves folhas de alumínio dos ventiladores é uma metáfora dessa (in)comunicação.  

Mas se a obra de Serralves, nos materiais e até no nome, sugere a continuação deste projecto iniciado no Médio Oriente, não é certo que assim seja. “Entusiasma-me não saber o que vou fazer, e isto é tão novo que ainda não sei o que é”, confessa a artista. “Alguns amigos meus, que vieram de propósito ao Porto, estavam ontem a falar da peça, e eu fiquei a ouvi-los…”, ri-se. E acrescenta: “Não sei o que fiz, mas acho que estou no caminho certo. Um caminho que passa por não se deixar enredar nos meandros mais institucionais do mundo da arte internacional, no qual é hoje um nome consagrado, com exposições em grandes museus de vários continentes e uma presença regular, em representação da Coreia do Sul, nas principais bienais de arte, da de Veneza à Documenta de Kassell.

“Tenho 45 anos, acumulei experiência, expus em grandes instituições, e não quero habituar-me demasiado a esse mundo, que se tornou muito bombástico, com muito dinheiro a circular de um lado para o outro”, diz Yang. “Há momentos”, explica, “em que tens de fazer aquilo que sabes fazer melhor, e outros em que podes correr riscos”. E em Serralves, pela instituição mas também pela sua directora artística, Suzanne Cotter, de quem partiu este desafio, decidiu correr riscos. Cotter já a tinha convidado a apresentar uma obra na bienal de Sharjah, de que foi co-curadora em 2010, mas Yang recusou, porque não conhecia os Emirados Árabes Unidos. Desde então mantiveram-se sempre em contacto, e agora, finalmente, surgiu esta nova oportunidade de trabalharem juntas. “Levámos o nosso tempo, e isso é muito raro no mundo da arte”, nota a artista.

A construção de Parque de vento Opaco em Seis Dobras foi filmada por Serralves desde o primeiro momento até à inauguração, o que permitirá ver o trabalho dos pedreiros que ajudaram Haegue Yang. E deve valer a pena. Embora lamente ter tido de usar tijolos espanhóis, Yang sente-se francamente compensada por estes terem sido assentados por pedreiros locais. “Sou escultora, e consigo ver imediatamente quando os pedreiros são bons, e os pedreiros portugueses estão para lá de bons, são como monges zen."

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