É verdade que "o clima do mundo está nas mãos de apenas três nações”?

Fomos verificar a afirmação de Kevin Rudd, ex-primeiro-ministro da Austrália, e Hank Paulson, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos.

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A China comprometeu-se a reduzir as suas emissões por unidade do PIB até 2020 Stringer/Reuters

O contexto

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O contexto

Duas centenas de países estão reunidos em Paris para tentar aprovar um novo acordo para travar a subida do termómetro da Terra. Há anos que a discussão se arrasta, desde que se viu que o Protocolo de Quioto, assinado em 1997, não era suficiente. Quioto só compromete os países desenvolvidos a reduzirem as suas emissões de gases com efeito de estufa, que aquecem a atmosfera. E mesmo entre estes, alguns já não querem saber do protocolo, a começar pelos Estados Unidos – sobretudo porque aquele tratado não vincula as grandes economias emergentes, a começar pela China e a Índia.

Agora, pela primeira vez, tenta-se um acordo que envolva compromissos de todos os países, ricos e pobres. Todos prometeram contribuir à sua maneira, com objectivos nacionais voluntários que agora serão amarrados por um chapéu-de-chuva institucional em Paris, sob a égide das Nações Unidas.

Num artigo publicado no jornal britânico The Guardian, Kevin Rudd e Hank Paulson argumentam que se os Estados Unidos, a China e a Índia se unirem, apoiando as energias limpas, o problema está resolvido.

Os factos

Estados Unidos, China e Índia somavam, em 2012, 41% das emissões globais de gases com efeito de estufa, segundo uma base de dados do World Resources Institute. É praticamente a mesma fatia que estes países têm da população mundial.

O seu peso subiu brutalmente. Em 1990 a sua contribuição somava 30%. A China e a Índia são responsáveis exclusivos por este salto, com um aumento de emissões de 232% e 138%, respectivamente, entre 1990 e 2012. Nos Estados Unidos, a subida foi de apenas 1%.

Em 2005, a China ultrapassou os Estados Unidos e tornou-se o maior emissor mundial. Hoje, lança para a atmosfera o equivalente a 10.684 milhões de toneladas de CO2, quase o dobro dos Estados Unidos e 157 vezes as emissões de Portugal.

Pelo menos nos próximos 15 anos, a responsabilidade destes países vai aumentar. A China já anunciou que vai reduzir as suas emissões, mas só a partir de 2030 – se possível mais cedo.

Na Índia, a situação é mais complicada. O país é mais pobre do que a China – com um quinto do seu PIB per capita. Precisa de se desenvolver, para tirar milhões de habitantes da pobreza e dar-lhes acesso à electricidade. Muita da energia de que necessita virá do carvão, o mais sujo dos combustíveis fósseis e que deverá representar metade do mix energético do país em 2040, segundo previsões da Agência Internacional de Energia.

Além destes três países, há um dinâmico movimento de sobe e desce no ranking de quem mais contribui para o aquecimento global. O papel da União Europeia, como um bloco, caiu de 14% para 9% das emissões totais, entre 1990 e 2012. Além da China e Índia, entre os 20 países que mais emitem, há mais nove do mundo em desenvolvimento: Indonésia, Brasil, México, Irão, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Nigéria, África do Sul e Malásia, nesta ordem. Juntos somam 16% das emissões globais.

Países ricos e pobres sempre se sentaram em mesas opostas nas negociações climáticas. Agora, isto está a mudar. A China e os Estados Unidos aproximaram-se e, há um ano, prometeram publicamente trabalhar em conjunto.

A Índia está mais afastada. Na abertura da cimeira do clima, o primeiro-ministro Narendra Modi disse que os países pobres precisam de “espaço” para se desenvolver.  Não só a Índia, mas todos os países em desenvolvimento reivindicam o cumprimento das promessas das nações ricas de que lhes financiarão as energias limpas.

Na cooperação económica para as energias limpas, já há pontes importantes entre os três países, como notam os autores da frase aqui em questão. Mas muitas outras estão a surgir. Na abertura da cimeira de Paris, por exemplo, a Índia anunciou uma parceria com 120 países para promover a energia solar. Outras 20 nações prometeram duplicar, em cinco anos, o financiamento à inovação em soluções climáticas.

Conclusão

É evidente que se os Estados Unidos, China e Índia se unirem na luta contra o clima, será um avanço sem precedentes – dado o peso económico e ambiental que têm –, que poderá arrastar o resto do mundo para um caminho mais sustentável. A via da promoção das energias limpas através de parcerias de investimentos parece, de facto, mais fácil do que assumir, antes de tudo, metas mais ambiciosas de redução de emissões. Se mais renováveis chegarem aos 40% da população mundial que vivem naqueles países, o efeito no mercado mundial será contagiante. Mas há outros actores de destaque no cenário climático, com os 28 Estados-membros da UE e mais nove países em desenvolvimento a somarem 25% das emissões mundiais. Será mais difícil colocar de acordo 37 países, do que apenas três. Há, no entanto, divisões profundas entre China, Índia e EUA, apesar das aproximações recentes. Não é certo que algum dia estejam absolutamente alinhados a liderar o esforço para a luta climática.

 

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