O mundo novamente de olhos em Paris

Cimeira climática decisiva das Nações Unidas começa esta segunda-feira na capital francesa, duas semanas depois dos atentados terroristas de 13 de Novembro.

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Reuters

O dia vai amanhecer nublado em Paris. Mas quando os chefes de Estados e de Governo começarem a discursar no centro de convenções de Le Bourget, a norte da cidade, esperam-se abertas, embora com aguaceiros.

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O dia vai amanhecer nublado em Paris. Mas quando os chefes de Estados e de Governo começarem a discursar no centro de convenções de Le Bourget, a norte da cidade, esperam-se abertas, embora com aguaceiros.

A previsão meteorológica serve com uma luva para retratar a atmosfera da decisiva cimeira climática da ONU que começa esta segunda-feira na capital francesa. Durante duas semanas, quase duas centenas de países tentarão aprovar um novo tratado para conter o aquecimento global. E apesar de se esperarem dificuldades, nunca se esteve tão perto de um acordo desde a aprovação do Protocolo de Quioto, em 1997.

“Está ao nosso alcance, mas ainda não está atingido”, resume o ministro dos Negócios Estrageiros francês, Laurent Fabius, citado pela agência France Presse. O objectivo do acordo é definir o que cada país tem de fazer para evitar que a temperatura da Terra suba mais de 2oC até ao fim do século.

No abertura, segunda-feira, está confirmada a presença de pelo menos 149 chefes de Estado e de Governo, a despeito dos receios motivados pelos ataques terroristas de 13 de Novembro em Paris. O primeiro-ministro António Costa estará lá.

A segurança foi reforçada, as manifestações de rua canceladas. Cerca de mil pessoas foram impedidas de entrar em França nas últimas duas semanas e 24 foram colocadas em prisão domiciliária, devido ao risco de protestos violentos. Há milhares de agentes da autoridade nas fronteiras e nas ruas.

A conferência de Paris é conhecida como COP21, pois é a vigésima primeira desde que foi aprovada a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, em 1992. O Protocolo de Quioto, cinco anos mais tarde, definiu o que deveria ser feito até 2012. Agora, vive-se num hiato em que não há nenhum compromisso adicional colectivo, envolvendo todos os países, para evitar que a actividade humana faça subir demasiado o termómetro da Terra, provocando consequências catastróficas.

É esta lacuna que a ONU quer encerrar em Paris, ainda que parcialmente. Se for aprovado, o novo acordo vigorará a partir de 2020, com compromissos até 2030.

Substituir Quioto é imperativo. O protocolo de 1997 vinculava apenas os países desenvolvidos a reduzirem as suas emissões de gases que aquecem o planeta. Hoje, quem mais lança CO2 para a atmosfera é a China. Outras economias emergentes estão no topo da lista: a Índia em terceiro, o Brasil em sexto, o México em décimo.

Além disso, Quioto foi abandonado pelos Estados Unidos em 2001 e por outros países mais tarde. A sua renovação até 2020 só foi subscrita por nações que representam 11% das emissões globais de gases com efeito de estufa. “Está vazio”, afirma Pedro Barata, da consultora Get2C e que durante anos fez parte da delegação portuguesa nas negociações. “Não vai haver uma fase três do Protocolo de Quioto. Chegamos a 2020 e fechamos a loja”, completa.

Desde 2007 que se vem tentando, formalmente, negociar um novo acordo que comprometa todos os países – pobres e ricos. Em 2009, uma conferência climática em Copenhaga que seria decisiva resultou em fracasso. Agora, seis anos depois, chega-se um novo momento da verdade.

O que está em cima da mesa agora, no entanto, é algo completamente diferente. Desde o falhanço de Copenhaga, tem sido trilhado outro caminho, no qual os países dizem, voluntariamente, o que podem fazer para ajudar na luta climática. As Nações Unidas pediram a todos que apresentassem, antes de Paris, as suas “contribuições nacionais”.

Quase todos o fizeram. Até este sábado, havia 155 submissões, representando 182 países, segundo o secretariado da convenção da ONU para as alterações climáticas. Há países que se comprometem com reduções absolutas de emissões, outros com reduções relativas, por unidade do PIB. Muitos prometem mais energias limpas, muitos apresentam medidas de adaptação a um futuro mais quente.

Mas não é suficiente. Em Outubro, quando havia 146 contribuições representando 86% das emissões globais de CO2, a ONU concluiu que a soma de todas as promessas não chegaria para manter o aumento da temperatura abaixo dos 2oC. A estimativa era de que os termómetros subiriam 2,7oC.

Para ficar sob o limite desejado, as emissões globais de CO2 têm de baixar em 40% a 70% até 2050 e a zero em 2100, segundo o painel científico da ONU para o clima – o IPCC. Com os planos em cima da mesa, as emissões subirão entre 37% a 52% até 2030, em relação aos níveis de 1990, ou 11% a 22% em relação a 2010. Depois de 2030, ou seja, depois da vigência do provável acordo de Paris, não se sabe.

“Não é possível chegar a um acordo para os 2oC. O que é importante em Paris é chegar a um acordo cuja ambição possa ser revista de cinco em cinco anos”, interpreta Filipe Duarte Santos.

Este será dos pontos centrais do resultado que sair de Paris. No princípio do mês, numa última ronda negocial antes da conferência em si, este princípio ficou praticamente acordado.

Se for aprovado, representará uma mudança de paradigma, segundo Francisco Ferreira, ex-presidente da organização ambientalista Quercus e especialista do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade da Universidade Nova de Lisboa. O mundo terá um tratado climático sujeito a revisões periódicas automáticas. De contrário, seria preciso negociar novos acordos. “Preferiria que fossem garantidos os 2oC. Sei que estamos longe, mas a possibilidade de fazer uma revisão da ambição já em 2018 ou 2020 é uma grande vantagem”, afirma Francisco Ferreira.

Um segundo novo paradigma é o aparente fim do muro que antes separava países desenvolvidos e em desenvolvimento nas negociações climáticas. Agora, todos estão a entrar para o mesmo barco, ainda que com níveis de compromissos diferentes. “Quebrar esta divisão vai ficar para a história”, antecipa Ferreira.

O maior sinal deste novo momento é o histórico aperto de mão entre a China e os Estados Unidos, que anunciaram conjuntamente as suas metas climáticas, há um ano, em Pequim.

Mas o muro não caiu completamente. Os países mais pobres vão exigir, em Paris, mais garantias de que serão ajudados financeiramente pelos mais ricos para se adaptarem às alterações climáticas.

Há já um compromisso dos países desenvolvidos de 100 mil milhões de dólares anuais a partir de 2020. Mas não só se ouvem agora reivindicações de mais apoios, como há muito ainda que discutir a respeito de onde deve vir este dinheiro e como será canalizado a quem precisa.

Segundo uma avaliação da OCDE, a ajuda somou já 52 mil milhões de dólares em 2013 e 62 mil milhões em 2014. Há ainda mais dez mil milhões prometidos ao Fundo Verde Climático, criado para este fim em 2010, mas que não distribuiu ainda nenhum tostão.

Outro ponto quente de Paris será a discussão do formato do acordo. Já está estabelecido que deverá ter “força legal”. Mas enquanto muitos países, incluindo o bloco da União Europeia, querem um acordo de facto vinculativo, os Estados Unidos não aceitarão nada que necessite ser ratificado pelo seu Congresso – que é hostil a qualquer tratado climático.

Na cimeira de Paris, os temas do clima e do terrorismo vão estar inevitavelmente lado a lado. “A luta contra as alterações climáticas e a luta contra o terrorismo são os dois principais desafios do século XXI”, diz o ministro Laurent Fabius.