Maria Mendes: “Procuro uma inocência adulta que todos nós temos”

Portuguesa, a viver na Holanda, a cantora de jazz Maria Mendes apresenta o seu novo disco no Misty Fest. Esta sexta-feira em Lisboa (CCB, às 21h) e sábado no Porto (Casa da Música, 22h).

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Maria Mendes: “Dedico-me à música de alma e coração, diariamente" Joel Bessa

Tem trinta anos de vida e dez de carreira. E dois discos, o mais recente dos quais recém-chegado às lojas. É esse disco, a que chamou Innocentia, que Maria Mendes vem lançar a Portugal, em dois concertos no Misty Fest: esta sexta-feira no CCB, em Lisboa (21h) e sábado na Casa da Música, no Porto (22h).

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Tem trinta anos de vida e dez de carreira. E dois discos, o mais recente dos quais recém-chegado às lojas. É esse disco, a que chamou Innocentia, que Maria Mendes vem lançar a Portugal, em dois concertos no Misty Fest: esta sexta-feira no CCB, em Lisboa (21h) e sábado na Casa da Música, no Porto (22h).

Nascida Maria João Mendes, no Porto, em 28 de Junho de 1985, ainda começou por usar esse nome mas, como fez carreira no jazz, deixou cair o “João” (que “ganhou” porque estava previsto que nascesse no dia de São João, 24, embora só tenha nascido em 28). É fácil explicar porquê: “A Maria João tem tanta força, internacionalmente, que não fazia sentido eu manter esse nome”, diz. O primeiro disco gravou-o já como Maria Mendes. Allong the road. Isso foi em 2012 e valeu-lhe, junto com as apresentações ao vivo, elogios da crítica e de músicos já célebres como Quincy Jones, Sheila Jordan, Hermeto Pascoal, Rosa Passos ou Dori Caymmi.

Um bisavô brasileiro
No estrangeiro (Maria vive na Holanda) há quem a julgue brasileira. E ela tem, na verdade, uma ligação com o Brasil. No primeiro disco cantou até com sotaque brasileiro e neste integrou temas de Radamés Gnatalli, Hermeto Pascoal, Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim (este último só como bónus, por não se integrar no espírito geral do disco, um Água de beber cheio de swing). Mas há ligações brasileiras e são familiares, explica Maria Mendes. “O meu bisavô, que morreu com 100 anos, é brasileiro, do Rio de Janeiro, veio para o Porto e ali casou com a minha bisavó. Depois separaram-se e ele voltou para o Brasil. A filha deles, minha avó, também se separou, e foi ter com o pai. De sete filhos, três ficaram em Portugal e os outros foram todos para o Brasil.”

E é pelo lado materno que Maria tem antecedentes musicais: a mãe estudou música, a avô foi compositor e a avó (que ainda é viva) pianista e cantora clássica. Quanto a ela, estudou música clássica no Conservatório de Gaia, mas a descoberta do jazz, por volta dos 15 anos, mudou-lhe o rumo. E isso levou-a a Roterdão e depois a Nova Iorque e ao Rio de Janeiro. O novo disco é o fruto mais amadurecido desse percurso intenso. “Aqui, tento procurar mais quem sou agora, resultado de uma experiência de três anos em que viajei bastante e em que fiz o que gosto, que é tocar com outros músicos, trazer para o estúdio o espírito e a vibração das jam sessions”.

O título, em latim, justifica-o deste modo. “Eu queria um título que se relacionasse com o repertório. E o latim de Innocentia, para além de esta palavra ser bem lida em todas as línguas, mostra universalidade. Eu sou filha do mundo, tenho esse lado brasileiro de que já falei, vivo fora de Portugal mas sou portuguesa. Falo português todos os dias, tenho a felicidade de ter amigos holandeses que falam português, o que é fora do comum, e a coisa mais interessante é que a poesia flui mais por causa disso.” Quanto à ideia que o título encerra, diz: “O que eu procuro neste álbum é uma inocência adulta que todos nós temos, para o bem e para o mal. Quis fixar-me mais em continuarmos a ser sempre crianças e a aprender.”

Mas há, no tema-título, uma outra história, essa bem real e ligada ao seu passado. “Essa música é sobre os meus 5, 6 anos. Sou a mais nova de três filhas e eu e a minha irmã do meio partilhávamos um quarto, dormíamos num beliche, era uma brincadeira total. No ano passado, em casa dos meus pais, encontrei um baú com imensas fotografias perdidas, quase todas associadas ao Verão. E aquilo bateu-me fundo na memória. Por isso a canção fala desse tempo de brincadeiras, de procurarmos ‘tesouros’ no meio das rochas, peixinhos ou caranguejos…”

Uma nostalgia leve
No disco toca com músicos holandeses e também com a clarinetista Anat Cohen. Mas aqui tocará só com portugueses. “Estou cheia de sorte: nestes concertos estou com o Carlos Barretto, no contrabaixo, e com o João Paulo Esteves da Silva no piano, dois grandes músicos e grandes compositores. Quando entrei para a ESMAE, em 2004, fui aprendendo a gostar de jazz a escutar o repertório deles. Passados dez anos, tocar com eles é um orgulho enorme. Tocarão também comigo o Joel Silva (bateria), que foi meu colega na ESMAE, na mesma turma e no mesmo ano, e o Ricardo Toscano, muito conhecido pelo saxofone mas que vai tocar só clarinete.”

A par de standards ou temas pop (do Smile de Chaplin ao Fragile de Sting), Maria Mendes tem também neste último trabalho alguns temas da sua autoria. “Quis escrever canções que partilhassem a nostalgia que sinto, porque sou muito nostálgica. Mas quis que essa nostalgia fosse leve e não dramática.” E há, na sua entrega à música, uma disciplina que se mistura com profissionalismo e com paixão. “Dedico-me à música de alma e coração, diariamente. Trabalho imenso, com um gosto enorme. Muitas vezes com um grau de cansaço e desmotivação muito duro, por causa do mundo exterior. Para mim, o maior alento é ter o controlo vocal que tenho e trabalhá-lo até à perfeição.”