Convidada a sair do euro, a Grécia cedeu em quase tudo

O resto da zona euro, liderada pela Alemanha, exigiu um reforço das austeridade e das reformas, ao mesmo tempo que previu garantias de que a Grécia não voltará atrás. Atenas cedeu, mas a passagem do acordo à prática ainda será difícil.

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Desde o início deste fim-de-semana, com a reunião do Eurogrupo no sábado, que a maior parte dos líderes políticos da zona euro centravam a suas intervenções na questão da “confiança”. A confiança em relação ao Governo tinha sido perdida e era preciso restabelecê-la, diziam.

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Desde o início deste fim-de-semana, com a reunião do Eurogrupo no sábado, que a maior parte dos líderes políticos da zona euro centravam a suas intervenções na questão da “confiança”. A confiança em relação ao Governo tinha sido perdida e era preciso restabelecê-la, diziam.

A forma encontrada para fazer isso foi levar o Governo grego a comprometer-se a reforçar as medidas de austeridade e reformas que tinha proposto na semana passada e exigir uma série de acções imediatas que tornassem mais difícil à Grécia voltar atrás num eventual acordo que viesse a assinar. Assim, da reunião do Eurogrupo que acabou na manhã de domingo saiu uma proposta que forçava a Grécia a fazer passar no seu parlamento seis peças de legislação já esta semana e que previa que o país colocasse activos detido pelo Estado num valor até 50 mil milhões de euros num fundo gerido em parceria pela Grécia e os seus credores.

Não estariam os credores a pedir demais ao Governo grego depois de este ter recebido um “não” do referendo que tinha realizado a anteriores propostas mais moderadas da troika? Não diriam estes imediatamente não, colocando a zona euro na iminência de um desmembramento? Entre os países da zona euro – e em particular da Alemanha – não parecia haver grandes receios em relação a isso, sendo desde logo apresentada a alternativa, em forma de convite: se a Grécia quiser sair do euro temporariamente, iniciamos já negociações que incluem a possibilidade de uma reestruturação de dívida, afirmava a proposta que Wolfgang Schäuble levou ao Eurogrupo e que este acabou por levar à cimeira de líderes.

Decididos a sair de Bruxelas com um acordo que voltasse a trazer dinheiro para os bancos e os cofres do Estado e provavelmente assustados com a abertura dos seus parceiros de negociação a um Grexit (publicamente apenas se ouviu François Hollande colocar a hipótese de lado), Alexis Tsipras e o seu Governo cederam em praticamente toda a linha.

Aceitaram, desde logo, assumir um compromisso de reforçar as medidas de austeridade e de reformas que venham a ser incluídas no programa a três anos. E prometeram que, já na quarta-feira, irão fazer passar no parlamento quatro diplomas relativos à simplificação do IVA, à melhoria  da sustentabilidade de longo prazo do sistema de pensões, à defesa da independência do organismo responsável pelas estatísticas oficiais na Grécia e à introdução de mecanismos quase automáticos de cortes da despesa em caso de não cumprimento das metas orçamentais. Depois há mais duas medidas para serem aprovadas no Parlamento até 22 de Julho: a adopção de um novo código do processo civil e da directiva para a resolução bancária.

Durante a cimeira que foi do início da tarde de domingo até à manhã de segunda-feira, o Governo grego mostrou oposição em quatro temas principais. Não queria que o FMI (Fundo Monetário Internacional) fosse envolvido, pedia uma declaração mais forte em relação à reestruturação da dívida, esperava um sinal claro do BCE (Banco Central Europeu) de que a assistência de emergência aos bancos seria aumentada e tentava que a ideia dos 50 mil milhões de euros fosse esquecida.

O sucesso foi muito reduzido nestas negociações. O FMI irá mesmo ser envolvido e a Grécia comprometeu-se a pedir um novo empréstimo a partir de Março de 2016, quando o actual terminar e as dívidas por pagar forem amortizadas.

Em relação à reestruturação de dívida, os países da zona euro não foram além daquilo que já era previsto: aceitam negociar um novo alargamento dos prazos de pagamento e um aumento do prazo de carência. Mas tal apenas acontecerá, depois de uma avaliação positiva da troika em relação à implementação do porgrama. Ou seja, cerca de três meses depois de começar.

Do BCE, não surgiram para já sinais públicos de aumento dos empréstimos de emergência à banca. Esta segunda-feira, o banco central anunciou que mantinha o valor que dispensa congelado nos 89 mil milhões de euros até pelo menos quarta-feira, provavelmente esperando as primeiras aprovações no Parlamento grego.

Por fim, em relação ao fundo das privatizações, que foi o último tema a ser resolvido, a Grécia conseguiu que a sua sede não fosse no Luxemburgo como constava na proposta do Eurogrupo, mas na Grécia, para além de ficar previsto que, metade do dinheiro iria para a recapitalização da banca - uma ideia que Pedro Passos Coelho disse ter sido portuguesa - e um quarto para investimento, em vez da totalidade para a amortização de dívida.

Argumentos para Atenas
Ainda assim, o primeiro-ministro grego tentou nas suas primeiras declarações após a cimeira dar destaque a dois pontos do acordo que não estavam presentes na proposta que foi levada a referendo: os parceiros da Grécia na zona euro fizeram um compromisso para o alívio de dívida pública grega e aceitaram avançar para um financiamento de curto prazo.

Serão também estes argumentos que irá tentar usar em Atenas para convencer as forças políticas gregas (principalmente as diversas tendências dentro do seu próprio partido) de que devem aprovar o acordo e fazer passar a legislação que lhes vai ser colocada à frente já esta quarta-feira.

A tarefa não será fácil, nem quarta-feira, nem nas semanas seguintes. E ainda falta muito para que o acordo agora assinado se concretize na prática, permitindo que o Estado grego comece a receber dinheiro.

O desenho de um novo memorando de entendimento (o terceiro para a Grécia) e a sua negociação apenas estarão concluídos dentro de cerca de quatro semanas, avisou Jeroen Dijsselbloem, no final de mais uma reunião do Eurogrupo realizada esta segunda-feira. No mesmo encontro, os ministros das Finanças discutiram como será possível disponibilizar um empréstimo intercalar que permita à Grécia fazer face aos seus compromissos mais imediatos, como a amortização dos títulos de dívida que estão nas mãos do BCE .

Dijsselbloem explicou que o financiamento intercalar está a ser estudado pelos ministros das Finanças, mas para já foi decidido criar um grupo de trabalho para verificar quais as hipóteses que existem, quais os instrumentos que podem ser usados e quais os calendários possíveis. O presidente do Eurogrupo diz que haverá uma nova reunião por teleconferência na quarta-feira de manhã para avaliar de novo o ponto de situação, alertando contudo que “não vai ser fácil”.

Entretanto são várias as dúvidas em relação à forma como um programa cujas medidas foram recusadas nas semanas anteriores, não só pelo Governo, como pela população em referendo, vai ser efectivamente passado à prática. Wolfgang Munchau, colunista do Financial Times, foi um dos que colocaram a questão: “Esqueçam por momentos o debate económico dos últimos meses, sobre assuntos como o impacto da austeridade ou das reformas económicas no crescimento e perguntem a vocês próprios a seguinte questão: acham mesmo que um programa de reforma económica, para o qual o Governo não tem qualquer mandato político, que foi explicitamente rejeitado num referendo e que foi imposto pelo simples uso da chantagem política, pode alguma vez funcionar?”

Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, uma das entidades que ficará encarregue de negociar agora o memorando, acredita que tal é possível e recusa qualquer ideia de um acordo demasiado agressivo. “Não penso que o povo grego tenha sido humilhado e também não acho que os outros europeus tenham perdido a face. Este é um típico entendimento europeu”, disse.