Diário de um fifalsário

A falar, Sepp Blatter é um dos maiores tanguistas da história. Famoso pelo seu amor sincero à corrupção, é também um diarista de qualidade. Nas vésperas de nova fase na sua carreira (provavelmente na prisão), o suicinho mais famoso do mundo fez um périplo europeu para matar saudades e acertar contas. Encontrou logo Jorge Jesus, o homem de quem se fala

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Cher journal de bord. Querido Diário:

Semana alucinante. Fez-me lembrar um livre directo do Eusébio: a bola saía da bota dele, subia por cima da barreira e sabíamos que ia entrar num canto da baliza, mais tarde ou mais cedo. Assim foi desde que prenderam sete vice-presidentes da FIFA, na véspera da minha eleição. Ia sempre ser golo. Mas eu não sabia que os meus subordinados tinham feito mal a barreira! Só já vi a bola do FBI em cima da baliza… Desisti da nova presidência da FIFA, e aqui ando a viajar secretamente por este mundo de ingratos.

Trouxe comigo, para as primeiras despesas, uma mala de dinheiro que por acaso encontrei na despensa ao lado dos chocolatinhos. Que cabeça a minha! Não me lembro como é que dez milhões de dólares ali foram parar. Ou serão euros? Tenho de confirmar, ando tão esquecido.

Quarta-feira, dia 3. Primeira paragem, Lisboa: Cidade muito bonita. Tão cheia de turistas que toda a zona histórica parece a entrada de um estádio de futebol na final de Campeonato do Mundo. Apeteceu-me logo começar a vender bilhetes na candonga para a final do campeonato do Qatar em 2022, para não perder a mão (já estão impressos com o nome dos finalistas, por sinal). Mas contive-me. À noite, num beco de Alvalade, encontrei o treinador do Benfica, o Jorge Jesus. Meti conversa mas ele cuspiu a pastilha e disse que andava chateado com os valores da transferência e com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários a meter o bedelho. Eu disse:

— Quer que eu fale com alguém? Posso mexer uns cordelinhos...
— Não é preciso. Nós no Sporting samos diferentes.
— No Sporting?! Mas trocou? Muitos parabéns. Patrocínio da Guiné Equatorial, do Teodoro Obiang, e do Álvaro Sobrinho, o angolano dos milhões perdidos do BES?
— Afirmativo. Salário limpinho sem colinho
— Portanto, dinheiro da Guiné Equatorial e de Angola, países que têm o pior e o segundo pior Presidente de África, segundo a revista Forbes. Para a lista estar completa, só faltava a FIFA com o Blatter presidente... Mas isso acabou-se.
— Sepp, com vocês os três eu fazia um quadrado.

Dia 4. Paragem em Madrid: Fiz uma “espera” ao Cristiano Ronaldo para lhe pedir pessoalmente desculpa pela imitação que fiz dele numa universidade inglesa. É bom rapaz e inventou logo ali uma excelente imitação de um velho careca de 1,60 de altura a entrar de mãos algemadas num carro celular do FBI. Talentoso. Quando lhe disse que, no entanto, achava que o Messi conseguia fazer a minha imitação não com as mãos, mas com os pés algemados, e melhor do que ele, o Ronaldo chamou a Dona Dolores e eu fugi. Sou corrupto mas não sou maluco.

Dia 4, noite. Desembarque em Milão. Em Itália, sinto-me em casa. A FIFA nos últimos 40 anos aprendeu tanto com outras instituições de respeito! Por exemplo, a Mafia, que quer dizer Movimento Alternativo do Futebol Internacional entre Amigos, ou coisa parecida. O Luís Figo é sempre muito directo e de confiança, à excepção dos dias em que não está a dizer a verdade. Só depende de termos sorte ou azar na ocasião.

Ele repetiu que o dia da minha demissão “foi um dia bom para o futebol”. Como amigo e admirador do Figo, expliquei-lhe que tudo faria para o ajudar, se concorresse contra aquele pulha traidor e francês do Michel Platini. Expliquei ao Figo que, se quer chegar a presidente da FIFA, vai ter de começar a manobrar presidentes de federação, príncipes, sheiks das arábias, presidentes da República, czares da Rússia, treinadores, dirigentes, jogadores, construtores civis, donos de bancos na Suíça e ter contas secretas nos mesmos bancos. E comprar apartamentos de luxo e gastar fortunas em festas, etc. O básico. E saber olhar para o lado quando os interessados em organizar um Mundial, enfim, não resistem a untar as mãos de um homem honrado. O Figo ficou um pouco em baixo, dinheiro não lhe falta mas a tarefa é mais dura do que pensava. Entrámos na catedral de Milão, para refrescar a cabeça.

— Algumas qualidades hás-de ter para presidente da FIFA, Figo.
— Bem... Em jovem, assinei dois contratos simultâneos com o Parma e a Juventus.
— Sim. Mas foste apanhado e proibido de jogar em Itália durante dois anos... Mais coisas?
— Uma vez tomei o pequeno-almoço com o José Sócrates e dei-lhe o meu apoio eleitoral e ele deu centenas de milhares à minha fundação.
— Foste apanhado?
— Ahhh, enfim...
— Alguma coisa terás de ter, Figo, pensa melhor!
— A minha transferência do Barcelona para o Real?...
— Bravo! Um homem a quem um dia alcunharam de “Pesetero” tem o perfil certo para a FIFA. A mim nunca arranjaram um slogan tão forte.

Dia 6. Escala em Inglaterra: Fui a Londres, a Chelsea, tomar um chá. Encontrei o José Mourinho a lavar o carro. Um belo carro. Tenho três iguais algures. O José Mourinho uma vez acusou a FIFA de falta de transparência. Ele não foi eleito para melhor treinador do Mundo em 2012 porque os votos daqueles que o escolheram foram mudados. Isto é, houve fraude. Que exagero, houve um engano nas listas. Mas respeito muito a sua inteligência e pedi-lhe ajuda num momento delicado.

— José, se eu for preso e extraditado para os Estados Unidos, que estratégia devo usar?
— A do costume. Os jurados, sem que alguém perceba porquê, de repente votam pela sua absolvição. O senhor é inocente, a culpa foi dos outros.
— Bem visto.
— Eu aqui a ensinar o Padre-Nosso ao cura. Blatter, na corrupção do futebol, tu és The Special One.

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