Vamos regressar para quê? Para um programa de estágios?

Muito bem jovens portugueses, vamos regressar. Mas vamos regressar exactamente para quê? Em que condições? Voltamos para um programa de estágios?

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Carlos Barria/Reuters

Desculpem a franqueza, mas em relação ao tema da juventude e da migração, os políticos portugueses são absolutamente esquizofrénicos. Antigamente tínhamos o pragmatista Passos Coelho e o seu executivo, que gentilmente convidava os desempregados a procurar emprego no estrangeiro. Actualmente, temos o idealista Cavaco Silva, que decidiu pedir aos jovens portugueses que regressem “agora” para Portugal.

Que os políticos vivem num mundo diferente do nosso já é bem sabido. Um mundo de outras possibilidades, entenda-se. Todavia começo a questionar-me se viverão sequer no mesmo país. Muito bem, jovens portugueses, vamos regressar. Mas vamos regressar exactamente para quê? Em que condições? Voltamos para um programa de estágios?

É necessário entender que as razões que nos levaram a sair são as mesmas razões que nos levam a não regressar: o país simplesmente não nos dá condições para viver. Portanto, se os discursos de Passos Coelho e Cavaco Silva são completamente opostos no que propõem, a verdade é que ambos se sustentam na mesma visão, tão opaca quanto fatalista. Eles parecem não entender o país que há para além do seu “país”.

Vejo o executivo, entrevista atrás de entrevista, a sublinhar a importância de cativar o investimento estrangeiro. A satisfação do Governo é quase palpável, quando há o anúncio de mais uma empresa estrangeira que abriu uma fábrica em Portugal. Conseguir colocar mais algumas dezenas de portugueses, com trabalhos mais ou menos dignos, a trabalhar arduamente e com “remunerações ainda mais competitivas”, para que o capital estrangeiro se aguente no país? É esse o tão denominado “investimento estrangeiro”? E se tentássemos captar não só investimento estrangeiro, mas também as caras por detrás desse investimento? Por que não cativar também licenciados, mestres, cientistas, investigadores…

“Portugueses lá fora”

E será neste ponto do artigo que os leitores estabelecerão o limite do aceitável. Pois se Portugal é bom em produzir algo, isso são licenciados, mestres, cientistas e investigadores. Pois é. Isso é verdade. Mas não temos feito um bom trabalho em mantê-los em território nacional, pois não? E a razão para tal é bem simples. Aos olhos dos políticos, os portugueses serão ainda trabalhadores pouco qualificados, ainda quando qualificados. Sequiosos por um qualquer emprego e a garantia do já tão badalado “mínimo de dignidade”. Não me parece que o próprio termo “mínimo de dignidade” encerre em si qualquer tipo de dignidade.

Queremos mesmo ser o país que consegue captar os trabalhadores portugueses com qualificações, mas não o país suficientemente bom para conseguir captar os trabalhadores estrangeiros com qualificações? Pois se continuarmos a insistir muito mais nos “portugueses lá fora” que têm de regressar à pátria, ao invés do país que dá condições de trabalho e de vida até aos trabalhadores estrangeiros com melhores qualificações… então fico com a sensação de que, para os líderes portugueses, exista algo mais do que a nacionalidade a separar a essência de ser “português”.

Se a única coisa que conseguirmos colocar em Portugal forem “investimentos” e não “capital humano”, então o futuro não pode ser optimista seja em que cenário for. Queremos mesmo continuar a ser o país que tem tanto orgulho em conseguir atrair milhões de turistas, mas que nem sequer se concentra em garantir que se consiga cá viver a tempo inteiro? Se é isto ser um país periférico, então periféricos são os líderes.

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