Laxismo

Não é tolerável que um político, por maioria de razão um ex-deputado, se dê ao laxismo de não honrar os seus compromissos fiscais.

É por isso, por ser um modelo de comportamento para a sociedade portuguesa e não por qualquer motivo de propaganda política e de ataque político ao Governo ou ao PSD —, que é eticamente condenável o facto de Pedro Passos Coelho não ter pago entre Novembro de 1999 e Setembro de 2004 as suas prestações de trabalhador independente à Segurança Social (PÚBLICO, 28/02/2015), bem como ter incorrido em irregularidades fiscais entre 2003 e 2007 (PÚBLICO, 05/03/2015).

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É por isso, por ser um modelo de comportamento para a sociedade portuguesa e não por qualquer motivo de propaganda política e de ataque político ao Governo ou ao PSD —, que é eticamente condenável o facto de Pedro Passos Coelho não ter pago entre Novembro de 1999 e Setembro de 2004 as suas prestações de trabalhador independente à Segurança Social (PÚBLICO, 28/02/2015), bem como ter incorrido em irregularidades fiscais entre 2003 e 2007 (PÚBLICO, 05/03/2015).

Uma falha de comportamento enquanto cidadão e enquanto contribuinte que é tanto mais grave quanto Pedro Passos Coelho fora já antes de cometer esta falta legal líder da JSD, vice-presidente e deputado anos a fio. Ao seu conhecimento público soma-se uma anterior divulgação de que, enquanto deputado, não declarara para efeitos fiscais ajudas de custo auferidas com o estatuto profissional de consultor do Centro Português para a Cooperação (PÚBLICO, 23/09/2014).

A atitude de laxismo de Pedro Passos Coelho perante o cumprimento das obrigações fiscais inscritas na lei desde 1982 não é desculpável com a justificação dada pelo próprio de que estava “convencido” de que o pagamento à Segurança Social era opcional (PÚBLICO online, 02/03/2015) ou com a absurda e até ridícula declaração do ministro da Segurança Social, Luís Pedro Mota Soares, alegando que o primeiro-ministro foi "vítima de erros da própria administração" (PÚBLICO online, 28/02/2015). São desculpas de verdadeiro mau pagador que em nada alteram a situação de que Passos Coelho faltou às suas obrigações de contribuinte.

Ora, o que é facto é que, se um cidadão comum que é trabalhador precário e recebe a recibos verdes falha os seus compromissos fiscais para com a Segurança Social, é penhorado por dívida. São, aliás, inúmeros os casos de trabalhadores precários e de baixos recursos que vêem os seus bens penhorados porque devem ao fisco. Não é assim tolerável que um político, por maioria de razão um ex-deputado, se dê ao laxismo de não honrar os seus compromissos fiscais. Chame-se ele Pedro Passos Coelho ou não.

Sublinhe-se que esta semana também e numa espécie de retaliação política, foi notícia o facto de o Tal & Qual ter escrito há mais de uma década que António Costa, então ministro da Justiça, não pagara a contribuição autárquica na compra de uma casa. O próprio António Costa, hoje líder do PS, apressou-se a garantir que essa notícia era falsa e já tinha no passado sido desmentida. A verdade é que, se por alguma forma se vier a verificar que António Costa também fugiu ao pagamento dos seus compromissos fiscais, incorre no mesmo laxismo ético de Passos Coelho.

Há uma tendência para o facilitismo por parte das elites de poder em Portugal. Adoptam vezes de mais comportamentos de casta, como se se considerassem acima da lei, como se por pertencerem a um grupo com acesso ao poder tivessem direito a resvalar perante as leis que fazem para os outros, como se entre os pares, dentro da sua casta, tivessem direito a ter um tratamento especial acima do cidadão comum.

É isso que explica casos do passado, como o famoso diploma de licenciatura de José Sócrates assinado a um domingo em condições mais do que duvidosas, assim como a famosa licenciatura de Miguel Relvas feita de um acumular absurdo de equivalências académicas da sua actividade política. E, noutra área, a acção socialmente irresponsável de Ricardo Salgado, que se achou no direito de acumular comportamentos de gestão irregulares, levando à falência do Grupo Espírito Santo.

A ideia de que a lei que os políticos fazem é para se aplicar apenas aos outros, aos cidadãos comuns, e que à casta no poder tudo é permitido pode ter consequências sociais gravíssimas. Se a partir de agora os contribuintes portugueses seguirem a referência do comportamento padrão de Passos Coelho, com que autoridade pode o Governo exigir que sejam cumpridas quaisquer obrigações fiscais?

Jornalista; sao.jose.almeida@publico.pt