Filipe Pires foi compositor, pioneiro, reformador

O compositor Filipe Pires, falecido no último domingo, no Porto, aos 80 anos, foi também pianista, crítico musical e pedagogo, tendo desempenhado um importante papel na reforma do ensino da música em Portugal. A sua obra merece ser devolvida ao repertório.

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Filipe Pires Centro de Investigação e Informação da Música Portuguesa

Obras de Filipe Pires foram premiadas em concursos internacionais, como Alfredo Casella (Nápoles, 1950), Indústria germânica (Colónia, 1959), Concours quatuor (Liège, 1959) e no Prémio Nacional Calouste Gulbenkian que, em 1968, distinguiu a sua obra coral-sinfónica Portugaliae genesis.

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Obras de Filipe Pires foram premiadas em concursos internacionais, como Alfredo Casella (Nápoles, 1950), Indústria germânica (Colónia, 1959), Concours quatuor (Liège, 1959) e no Prémio Nacional Calouste Gulbenkian que, em 1968, distinguiu a sua obra coral-sinfónica Portugaliae genesis.

A pianista Madalena Soveral – que dedicou a Filipe Pires um capítulo da sua tese de doutoramento, a publicar brevemente em França – dividiu em 2005 o percurso do compositor em quatro fases. Após uma primeira etapa “de aprendizagem e de aquisição das ferramentas de composição” (1949-53), segue-se o período de 1961-69, em que se destacam as “grandes massas orquestrais e instrumentais, iniciado com Regresso eterno (1961), seguido de Akronos (1964) e Perspectivas (1965)”, obras dodecafónicas e seriais. O terceiro período coincidirá com a década de 1970, marcado pelo seu trabalho electroacústico.

A partir de 1983, Filipe Pires integrará no seu trabalho o conjunto das formas de escrita que anteriormente utilizara. Madalena Soveral defende que em Monólogos (1983), Epos (1989-91) e Estudos de sonoridades (1993), o compositor explora um dos aspectos essenciais da sua pesquisa: a utilização de unidades de tempo na organização da forma. No caso específico da música para piano, a pianista e investigadora observa o percurso do compositor como o avançar de um princípio tonal (Três bagatelas) para o cromatismo (Sonata), o dodecafonismo e a obra aberta (Figurações II), até uma mistura de elementos tonais e atonais (Quatro episódios pianísticos de Zoocratas) e a utilização de unidades de tempo na organização da forma (Estudos de sonoridades).

Foi em Paris, sob a orientação de Pierre Schaeffer (vulgarmente reconhecido como o criador da chamada música concreta), que Filipe Pires se dedicou à composição electroacústica, trabalhando nos estúdios do Groupe de Recherches Musicales (GRM) entre 1970 e 1972, onde compôs Homo Sapiens e Litania. A sua relação com o resto da Europa tivera, porém, início muito antes.

Aluno de Artur Santos, Lúcio Mendes e Jorge Cronner de Vasconcelos no Conservatório Nacional, em Lisboa, Filipe Pires obteve aí os diplomas de piano e composição. Enquanto bolseiro do Instituto de Alta Cultura, prosseguiu estudos na Alemanha e na Áustria, durante três anos, apresentando-se em vários países da Europa como pianista e compositor.

Regressado a Portugal, foi nomeado professor de Composição do Conservatório de Música do Porto (1960), sucedendo a Cláudio Carneyro. Leccionou paralelamente no Conservatório Regional de Braga e na Academia de Música de Vila da Feira, colaborando ainda com o Jornal de Notícias, enquanto crítico de música.

Após a sua experiência no GRM em Paris, Filipe Pires ensinou no Conservatório Nacional (1972-75), onde desempenhou também funções directivas, frequentando no final desse período os cursos de Darmstadt, na Alemanha(1975), enquanto bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, onde consta que teve oportunidade de assistir a aulas de Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen. De 1975 a 1979, encontra-se novamente em Paris, como especialista de música, na secretaria internacional da UNESCO, sendo enviado em missões oficiais a vários países da Europa de Leste, África e América Latina.

Foi presidente da Juventude Musical Portuguesa (de que, em 1950, havia recebido o primeiro prémio que espoletaria a sua carreira), membro da Comissão Nacional da UNESCO (1982-87), director artístico da Orquestra Nacional do Porto (1997-99), vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Autores (1998) e vogal da Comissão Instaladora da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (ESMAE) do Porto, onde ensinou Composição e Análise.

O compositor faleceu no domingo, no Porto. Se nos últimos anos de vida não houve espaço para que a sua música se afirmasse, resta aguardar que as fugazes homenagens sirvam agora para devolver a sua obra ao repertório.