A cultura pop entra no caso Sony com uma ajuda de Scandal e Austin Powers

Conselho de Segurança Nacional dos EUA reitera que "o governo norte-coreano é responsável" e responde ao ultimato de Pyongyang de investigação conjunta: “Podem admitir a sua culpa".

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“Porquê implicar com a Sony? Eles não têm um êxito desde o walkman”, brincou Mike Meyers no sábado no programa Saturday Night Live. “A Coreia do Norte é um dos países mais malvados do mundo. E o vosso acto de guerra é matar um filme? É fácil matar um filme, é só mudá-lo para Janeiro”, atirou a personagem oriunda dos filmes Austin Powers e que caricaturiza os vilões eremitas do cinema anglosaxónico, referindo-se ao facto de o primeiro mês do ano ser tradicionalmente fraco nas bilheteiras.

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“Porquê implicar com a Sony? Eles não têm um êxito desde o walkman”, brincou Mike Meyers no sábado no programa Saturday Night Live. “A Coreia do Norte é um dos países mais malvados do mundo. E o vosso acto de guerra é matar um filme? É fácil matar um filme, é só mudá-lo para Janeiro”, atirou a personagem oriunda dos filmes Austin Powers e que caricaturiza os vilões eremitas do cinema anglosaxónico, referindo-se ao facto de o primeiro mês do ano ser tradicionalmente fraco nas bilheteiras.

O programa semanal, que serve há 42 anos de casa ou incubadora para muitos dos mais conhecidos actores e argumentistas de comédia norte-americana, recebeu dia 6 Seth Rogen e James Franco - os protagonistas do filme The Interview, que está no centro do longo mês de ataque informático à Sony Pictures – e que ali também brincaram com a odisseia do hack.

Desde 24 de Novembro que um grupo que primeiro se intitulava GodsApstls e depois passou a intitular-se Guardians of Peace tem a Sony Pictures, o braço para o cinema e televisão americanos da corporação japonesa Sony, sob sequestro. Se inicialmente as mensagens dos hackers nada referiam sobre a sátira sobre dois jornalistas americanos contratados pela CIA para assassinar o líder norte-coreano Kim Jong-un, que em Junho a Coreia do Norte que considerara The Interview “um acto de guerra” numa carta ao secretário-geral da ONU, o filme tornou-se desde o início de Dezembro o cerne do caso.

Suspensa a sua estreia nas salas e quaisquer planos para o seu lançamento no dia 17, a Sony Pictures ficou entre a espada e a parede: ameaçados os seus funcionários e suas famílias, bem como a segurança dos espectadores que fossem assistir à estreia oficial do filme no dia de Natal, a suspensão foi considerada “um erro” pelo Presidente Barack Obama e continua a ser criticada como uma cedência que periga a liberdade de expressão.

Para lidar com a vaga de má imprensa e publicidade, a Sony contratou Judy Smith, uma conhecida spin doctor especialista em gestão de crise em quem se baseia a personagem Olivia Pope, interpretada na série Scandal (passa em Portugal no canal FoxLife) pela actriz Kerry Washington. De acordo com o site TMZ e com a revista Hollywood Reporter, Smith está a aconselhar os directores da major, em particular a co-presidente da Sony Amy Pascal – envolvida nos polémicos e-mails revelados pelos hackers em que se comenta as preferências cinematográficas de Obama conotando-o apenas com filmes sobre afro-americanos, o feitio de Angelina Jolie ou os problemas com The Interview.

Judy Smith, que foi vice-secretária de Imprensa do Presidente George W. Bush e trabalhou com clientes como Monica Lewinsky ou Wesley Snipes e com empresas como a Walmart, gere a empresa Smith & Company e é co-produtora executiva de Scandal, a série que se baseia na sua vida profissional. A imprensa americana está a associar à entrada em cena de Smith a reacção rápida da Sony às críticas de Obama na sexta-feira. A empresa lançou um comunicado e o presidente do estúdio, Michael Lynton, deu uma entrevista em que se transferiam as responsabilidades da suspensão do filme de Seth Rogen e Evan Goldberg para a reacção dos exibidores às ameaças dos piratas informáticos, por exemplo, e em que Lynton reiterava que a Sony Pictures quer que o público veja o filme.

Segundo assinala este domingo o semanário britânico Observer, citando um advogado especializado em propriedade intelectual, um dos motivos por trás da decisão da Sony poderá estar relacionado com a tentativa de poder accionar o seguro sobre o filme, cujo prémio poderia ajudar a limitar as perdas financeiras do filme. Orçado em 36 milhões de euros, a promoção de The Interview terá custado mais 28 milhões.  

Na frente diplomática, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, Mark Stroh, reiterou no sábado que “como o FBI tornou claro, estamos confiantes de que o governo norte-coreano é responsável por este ataque destrutivo. Mantemos esta conclusão”. Num dia em que ganharam força teses alternativas sobre a origem do ataque, Stroh acrescentou que “o governo da Coreia do Norte tem um longo historial de negar responsabilidades por actos destrutivos e provocatórios. Se o governo norte-coreano quer ajudar”, disse, referindo-se à negação de autoria e exigência de uma investigação conjunta pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Pyongyang divulgada no sábado, “podem admitir a sua culpabilidade e compensar a Sony pelos danos que este ataque causou”.  

O filme já foi visto por críticos e pelo público convidado para a primeira e única noite de estreia de The Interview (que em Portugal tem o título Uma Entrevista de Loucos), sendo a reacção sobretudo focada na estranheza de que uma comédia de amigos com piadas low-brow esteja mesmo no olho do furacão. Uma das cenas que mais preocupou os executivos da Sony foi a da morte de Kim Jong-un, que chegou à Internet (e por lá continua) poucos dias antes de os hackers se terem vangloriado com o cancelamento da estreia e de terem exigido que tudo o que estiver relacionado com o filme desapareça da web.

Sobre a cena, que foi sujeita a algumas alterações a pedido da direcção do estúdio e da própria Sony, Seth Rogen disse em entrevista ao New York Times: “Houve um momento em que eles [o estúdio] disseram ‘Eles ameaçaram guerra por causa do filme… Considerariam não o matar?’ E nós respondemos tipo… ‘Não’”. O actor e autor canadiano estava a trabalhar há alguns anos neste filme, que agora se tornou num dos mais infames títulos da história recente do cinema americano, um estudo de caso único nas relações entre Hollywood e a geopolítica. O seu primeiro alvo era o pai de Jong-un, Kim Jong-il, que morreu pouco depois.

Escrito por Rogen, Goldberg e pelo experiente guionista de The Daily Show Dan Sterling, o filme envolve mísseis e ânus, o rapper Eminem a dizer ser homossexual e muitos momentos politicamente incorrectos. Numa leitura do guião em que estava presente o actor Jonah Hill, parte do grupo de amigos e co-protagonistas habituais de Rogen e Franco e nomeado para um Óscar por Moneyball e O Lobo de Wall Street, este dirigiu-se a Amy Pascal e disse-lhe: “Não acredito que os vão deixar fazer este filme”, relata Seth Rogen à revista Rolling Stone. “E ela respondeu ‘Nem eu!’”.