O autocontrolo das emissões poluentes

Muito mais grave do que o surto de legionella é o que se passa com a co-incineração de resíduos perigosos.

Desde há 10 anos que venho combatendo o sistema de autocontrolo das emissões poluentes para a atmosfera sujeitas a valor-limite de emissão, consagrado pelo n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 78/2004 de 3.04, com o argumento de que não faz sentido passar para o operador uma tarefa que deve caber ao Estado.

O recente surto de legionella, com as dramáticas consequências por todos conhecidas, é elucidativo dos graves danos que podem resultar para a saúde pública e para o meio ambiente do facto de o legislador ter transferido do Estado para os operadores a responsabilidade do controlo das emissões poluentes.

O supra-referido sistema de autocontrolo faz a apologia do juiz em causa própria, ao colocar nas mãos dos operadores o seu próprio controlo. Que credibilidade pode merecer um sistema que funciona nestes termos?

Acresce que o artigo 25.º do supra-referido decreto-lei prevê a possibilidade de os valores-limite de emissão poderem ser excedidos durante 170 horas/ano “por fonte pontual”!!! Ora isto limita extraordinariamente a possibilidade de aplicação de coimas ou até a acusação pela prática de ilícitos criminais ambientais, como é óbvio, bastando, para tanto, que o infractor invoque que os valores-limite de emissão foram excedidos dentro do limite das 170 horas/ano em que a lei permite que tais valores possam ser ultrapassados.

Como se tal não bastasse, a Agência Portuguesa do Ambiente publicou em Dezembro de 2008 as directrizes Monitorização das Emissões para a Atmosfera em que se pode ler, no ponto 3.1, que “o operador definirá o regime de monitorização aplicável, por poluente”. Está tudo dito.

Muito mais grave, porém, do que o que está acontecer com o surto de legionella é o que se passa com a co-incineração de resíduos perigosos, devido à produção de poluentes orgânicos persistentes que se formam durante o processo de combustão e que são lançados para a atmosfera, entre os quais se incluem as dioxinas e os furanos, que são substâncias altamente cancerígenas, cujos efeitos subsistem durante mais de 30 anos.

Enquanto é relativamente fácil detectar a fonte de um surto de legionella, é difícil provar que determinada morte por cancro se deve ao efeito devastador das dioxinas produzidas durante a queima de resíduos perigosos com cloro, razão pela qual a única solução possível à escala mundial é, pura e simplesmente, proibir a prática da co-incineração de resíduos perigosos, adoptando métodos de tratamento térmico de tais resíduos que não sejam nocivos para a saúde pública e para o meio ambiente, como é o caso da pirólise.

Seguindo o método da pirólise ou plasma pirolítico, os resíduos perigosos, que têm de ser sujeitos a tratamento térmico, são queimados a altas temperaturas sem que haja libertação de gases para a atmosfera.

Por que é que um tal método não é adoptado e se persiste em alguns países na co-incineração dos resíduos perigosos? Porque a co-incineração de tais resíduos é um negócio gigantesco, em que quem o pratica ganha não apenas pelo combustível que poupa, mas também pelo que recebe do produtor de tais resíduos, à custa da saúde dos seres humanos, dos animais e da degradação da flora.

Como os Estados não contabilizam o prejuízo que sofrem com a morte dos cidadãos afectados, com as avultadas quantias que têm de despender no tratamento das múltiplas doenças causadas pela co-incineração dos resíduos perigosos e com os gravíssimos danos ambientais, vão impune e irresponsavelmente pactuando com uma forma de agressão brutal que atinge de forma sub-reptícia não apenas as gerações actuais, mas também as vindouras, com maior incidência sobre as crianças, dado o efeito disruptor que provoca nas suas células.

O sistema de autocontrolo valida a falta de inspecções periódicas nos países em que a negligência das entidades públicas e privadas só muito raramente é sancionada.

Advogado

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