“Na última década o mundo dos comics tornou-se mais feminista”

Entrevista com o autor de BD americano Brian K. Vaughan.

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Brian K. Vaughan Regina Coelho

Tirou um curso de cinema, mas foi parar à banda desenhada. Como é que se deu essa transição?

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Tirou um curso de cinema, mas foi parar à banda desenhada. Como é que se deu essa transição?

Os filmes que fazia enquanto estudante nunca correspondiam completamente ao que eu queria, e eram muito caros. E poder pôr no papel tudo o que imaginava – aliás, ter os meus desenhistas a pôr no papel tudo o que eu imaginava – fazia-me feliz. Decidi, então, deixar o cinema e a televisão e ser um escritor de banda desenhada.

Mas passados uns anos estava a escrever episódios da série Lost...

Fui convidado por Damon Lindelof e Carlton Cuse, dois dos produtores executivos e fãs do meu trabalho, em especial do Y: The Last Man. Era daquelas coisas que não podia recusar. Estamos, afinal, a falar de uma das melhores séries de sempre.

Y: The Last Man está para ser adaptado para cinema há mais de dez anos. Há novidades?

Acho que a hipótese do filme está morta. Poderá ser transformada em série, mas tenho receio de dar certezas porque estou a tentar responder a essa pergunta há uns doze anos.

Em Y: The Last Man retrata uma sociedade dominada por mulheres (apenas um homem e o seu macaco sobrevivem). É um tema clássico da literatura especulativa feminista. O que o levou a tratá-lo?

Tinha acabado de ser deixado por uma namorada, depois de uma relação longa e conflituosa. Estava confuso e atormentado por causa do sexo feminino e queria tentar compreendê-lo melhor. Decidi, então, pegar numa espécie de fantasia clássica masculina e mostrar o pesadelo que isso iria ser. Adoro falar sobre questões de género e parece que na BD esse diálogo recai só sobre as mamas da Catwoman... Tentei elevar a discussão.

Acha que o meio da BD americana tem mudado nesse sentido?

Tem melhorado bastante. Quando comecei a escrever Y: The Last Man e a ir a convenções deste género, eram sempre homens a vir ter comigo. Agora, em Saga [recém-editado em português], diria que 60% dos leitores são mulheres. Na última década, o mundo dos comics tornou-se num meio igualitário e mais feminista. Bem mais do que o cinema e a televisão.

Criou uma editora online com o Marcos Martín [desenhista que também esteve presente no Comic Con Portugal], a Panel Syndicate, onde usam um modelo pay what you want. Quando lançaram a primeira edição de The Private Eye fizeram bastante dinheiro. Continua a correr bem?

Continua, contra todas as minhas previsões. A BD tornou-se num hobbie extremamente caro e isto foi uma maneira de tentarmos mudar as regras do jogo. A edição nº. 9 saiu esta semana e as pessoas continuam a pagar, apesar de não ser preciso. O mérito é todo do Marcos, por se ter lembrado de criar esta espécie de fantasia socialista (risos). Acho que pode ser um bom modelo para o futuro, mesmo para os autores que não estejam estabelecidos no meio, porque se os leitores gostarem vão comprar. Não acreditava nisso, mas é verdade.

The Private Eye fala de uma sociedade pós-internet, que passou a valorizar a privacidade depois de toda a informação guardada online ter vindo a público. Considera que algo como #Thefappening [roubo de fotografias de celebridades guardadas no iCloud] é uma primeira demonstração de que isso pode realmente acontecer?

Este comic foi concebido antes das notícias sobre o Edward Snowden e do #Thefappening. Começámos a tratar este tema como uma fábula de uma sociedade no futuro, mas afinal é algo que já está a acontecer. O #Thefappening é a ponta de um iceberg que vai explodir, não nos próximos anos, mas nos próximos meses. Acredito que a próxima geração, a dos meus filhos, vai rebelar-se contra o domínio das redes sociais e vai passar a valorizar muito mais a privacidade.