A partir desta terça-feira os bancos portugueses “deixam de jogar em casa”

Supervisão dos quatro bancos portugueses com carácter sistémico passa a ser feita pelo BCE. Banqueiros nacionais dizem que mudança será um desafio para o sector.

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O BCE, liderado por Mario Draghi, comprou 462 milhões de euros de dívida pública na última semana de 2011 Foto: Kai Pfaffenbach/Reuters

Entra hoje em vigor o sistema único de supervisão e de regulação bancária europeu, um dos pilares da União Bancária, que, em Portugal, vai abranger cerca de 80% do mercado (com dados da era BES). A CGD, o BCP, o BPI e o Novo Banco, classificados de sistémicos, vão deixar de ser vigiados pelo Banco de Portugal e passam a reportar directamente ao BCE, que fará as suas análises técnicas à distância com base em critérios e regras homogéneas para todo o espaço europeu.

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Entra hoje em vigor o sistema único de supervisão e de regulação bancária europeu, um dos pilares da União Bancária, que, em Portugal, vai abranger cerca de 80% do mercado (com dados da era BES). A CGD, o BCP, o BPI e o Novo Banco, classificados de sistémicos, vão deixar de ser vigiados pelo Banco de Portugal e passam a reportar directamente ao BCE, que fará as suas análises técnicas à distância com base em critérios e regras homogéneas para todo o espaço europeu.

As “metodologias, standards e práticas aplicáveis uniformemente”, na área do euro, pelo BCE, “vão permitir a existência de um level playing field (uma base idêntica e harmonizada) na concorrência dos bancos e contribuir para a diminuição da fragmentação bancária”, defende Fernando Faria de Oliveira. O presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB) sublinha que as 120 instituições tuteladas directamente pelo BCE “serão supervisionadas de acordo com as mesmas regras e critérios”, procedimentos aplicados também pelos bancos centrais dos Estados Membros (no resto do sector), dado que actuam por delegação do BCE.

A passagem para a tutela do BCE permite leituras: no pressuposto de que o BCE actua de boa-fé, e sem estar dominado pelas conveniências dos grandes países, a sua acção de fiscalização, ainda que burocrática e feita à distância, permite análises aos bancos mais técnicas e independentes dos interesses locais.

Em contrapartida, dado que a entidade liderada por Mario Draghi está longe da realidade de cada Estado e, no caso nacional, sendo Portugal um pequeno país marginal em termos europeus, as decisões tomadas em Frankfurt não terão em conta as suas especificidades.

“Nesse sentido, temos de ser melhores do que os bancos de grandes países, para sermos tão bons quanto eles”, explicou um gestor de uma das quatro instituições sob a alçada do BCE. “Vamos deixar de jogar em casa -- vigiados pelo BdP -- para termos de competir a uma escala europeia.”

Um outro banqueiro admite que o enfoque do BCE “será mais preventivo para possibilitar uma acção mais rápida e atempada, em caso de haver um risco de colapso”.   Outro administrador da banca privada admite que haverá pressão “para movimentos de concentração” e recusa que haja necessidade de “privatizar a CGD, pois é o único banco português, com características de banco universal, com relevância. Seria ridículo um país soberano abdicar deste instrumento que tem sido um pilar de segurança do sector.”

No terceiro trimestre o crescimento anormal dos depósitos na CGD, no BPI e no BCP terá sido influenciado, em grande parte, pela transferência de fundos de clientes do BES/Novo Banco. Em três meses (Julho, Agosto e Setembro) os depósitos de clientes em Portugal da CGD aumentaram 2395 milhões de euros (para 55.136 milhões), os do BPI  888 milhões (para 19.288 milhões) e os do BCP  610 milhões (para 34.214 milhões). 

Para Faria de Oliveira, “o arranque do Mecanismo Único de Supervisão constitui um marco da maior relevância na construção da União Bancária" – é o primeiro dos três pilares em que esta assenta (os outros são o Mecanismo Único de Resolução e o Sistema de Garantia de Depósitos Comum) a entrar em pleno funcionamento.

Será através do Mecanismo Único de Supervisão - cujo conselho é composto por representantes dos supervisores nacionais (o português será António Varela do Banco de Portugal) - que será feita a fiscalização das contas dos principais bancos europeus e recomendadas as acções a tomar no caso de serem detectadas falhas e problemas.

A decisão final sobre qualquer medida, como a resolução de um banco por exemplo, será depois tomada pelo conselho de governadores do BCE. Antes de assumir esta responsabilidade, a entidade liderada por Mario Draghi fez uma avaliação às contas de 130 bancos da zona euro, concluindo que 25 não cumpriam no final de 2013 os rácios de solvabilidade exigidos em cenários de stress, sendo que 13 deles (incluindo o BCP) ainda não tinham corrigido em 2014 a sua situação e precisam por isso de apresentar agora um plano de capitalização detalhado.

O papel duplo do BCE, tanto na definição da política monetária como na supervisão, dão-lhe um poder invulgar à escala mundial, mas deixam-no também à mercê de acusações de  potenciais conflitos de interesse. Muitos questionam se, por exemplo, ao decidir se deve subir ou baixar as taxas de juro, os responsáveis do BCE não irão também estar preocupados com as consequências dessa medida para a sua tarefa de supervisionar o sector bancário.

Esta segunda-feira, a líder do Mecanismo Único de Supervisão, Daniele Nouy, disse estar pronta “a assumir a responsabilidade da supervisão única dos bancos da zona euro”. Deixou no entanto o apelo aos Governos para que não fiquem por aqui no processo de criação de uma verdadeira união bancária.

Daniel Nouy assinalou que “os Estado membros precisam de cumprir a promessa de estabelecer uma capacidade de financiamento adequada para o Mecanismo Único de Resolução”, a entidade pan-europeia através da qual se prevê que possam ser disponibilizados os meios para evitar processos de falência de bancos desordenados. Nouy pediu ainda que se avance rapidamente para uma harmonização das regras de regulação bancária aplicadas em cada um dos Estados-membros.