Cavaco alerta para risco de implosão do sistema partidário e pede reformas políticas

Nas comemorações da implantação da República, Presidente renova apelo ao compromisso e reconhece insatisfação dos portugueses com a democracia.

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Lusa

O Presidente lamentou o incumprimento das promessas feitas, enquanto o presidente da câmara de Lisboa colocou o municipalismo como pedra angular da reforma do Estado. Horas antes de participar no I Congresso do Livre, António Costa recordou o diálogo democrático que, na capital, permitiu o acordo para a reforma administrativa das freguesias.

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O Presidente lamentou o incumprimento das promessas feitas, enquanto o presidente da câmara de Lisboa colocou o municipalismo como pedra angular da reforma do Estado. Horas antes de participar no I Congresso do Livre, António Costa recordou o diálogo democrático que, na capital, permitiu o acordo para a reforma administrativa das freguesias.

“Como tenho referido em várias ocasiões, só através de uma cultura de compromisso poderemos alcançar a indispensável estabilidade governativa”, disse Cavaco no salão nobre dos Paços do Concelho perante António Costa e o primeiro-ministro, Passos Coelho. “Se a existência de uma cultura de compromisso entre os agentes políticos e económicos, entre os decisores públicos e os parceiros sociais, sempre foi importante para a consolidação e a qualidade da nossa democracia, ela configura-se como indispensável nos tempos adversos que vivemos”, disse o Presidente da República.

Esta urgência advém de um facto: “Os portugueses são dos povos da União Europeia que demonstram maiores níveis de insatisfação com o regime em que vivem”. O que levou Cavaco, embora com a prudência de marcar diferenças entre a Iª República e o actual momento político, a admitir a “implosão do sistema partidário português tal como o conhecemos”.  

Na origem da desconfiança, segundo Cavaco Silva, estão diversos factores. Das dificuldades actuais – “Portugal ainda sente os efeitos de uma das mais graves crises que teve de enfrentar nas últimas décadas” – às promessas incumpridas que levaram “à falta de confiança nas instituições”, passando pela necessidade de reforma do sistema político.

Neste campo, Cavaco destacou o desprestígio que a actividade pública suscita na sociedade – “passa a ser vista como um sinal de carreirismo e de oportunismo associado, com frequência, a um percurso de vida inteiramente situado no seio dos partidos” -, o bloqueio pelos aparelhos partidários e a tendência para a demagogia e o populismo.

De acordo com o Presidente, tais males devem ser contrariados pelo aprofundamento da qualidade da democracia, na qual englobou a reforma do sistema eleitoral. O mesmo tema que António José Seguro lançou há semanas para debate e que, depois da vitória de António Costa nas primárias do PS, foi por este retirado da agenda política imediata.

Contudo, houve uma curiosa proximidade nos discursos de Cavaco Silva e Costa. De Belém, veio o renovar do apelo ao compromisso. Do município, um exemplo prático do valor do diálogo: a reforma das freguesias. “Demonstrámos, em Lisboa, ser possível racionalizar a nossa organização administrativa, aproximando o poder das pessoas e dos problemas”, disse o presidente da câmara.

O autarca, que considera o municipalismo a pedra angular da reforma do Estado e a descentralização administrativa o seu utensílio por excelência, destacou a pluralidade como característica do poder local. E anunciou para 2016, ou seja após as próximas legislativas e do seu embate eleitoral com Passos Coelho, a evocação, em Lisboa, dos primeiros passos até às primeiras eleições autárquicas de 1976. Iniciativa na qual participam todos os antigos presidentes do município: Jorge Sampaio, João Soares, Pedro Santana Lopes e António Carmona Rodrigues.

Costa promete feriados e descentralização
Se as intervenções de Costa nas três últimas comemorações do 5 de Outubro tiveram claras referências programáticas – não subalternizar a democracia ao combate à crise, crítica à teoria do “bom aluno” na Europa e a crise como oportunidade de renovação -, as palavras de ontem tiveram outro objectivo.

Há referências gerais a tarefas – “construir um futuro melhor, mais digno, mais decente para todos os portugueses” – e até a reivindicação do restabelecimento dos feriados de 5 de Outubro e 1º de Dezembro que suscitou aplausos nos Paços do Concelho para além dos de cortesia e de circunstância.

O que a classe política, com forte representação socialista, os detentores de cargos públicos e o corpo diplomático ouviram foi o relato de um sucesso. A reforma administrativa da capital feita através do diálogo. Obra realizada apesar da vigência de uma norma - “Portugal é dos países da União Europeia com menor grau de descentralização.”

O apelo de Cavaco ao compromisso suscitou comentários díspares. Passos Coelho apoiou. “As nossas diferenças entre partidos, entre organizações sindicais, entre a sociedade civil, não perdem se soubermos sempre identificar um núcleo de questões que nos unem enquanto nação”, disse o primeiro-ministro.

A avaliação presidencial sobre a saúde do sistema político provocou críticas à esquerda. “O Presidente, tendo sido primeiro-ministro durante dez anos e sendo Presidente da República praticamente a esse tempo, devia também ter feito a sua própria autocrítica”, disse Ferro Rodrigues. “Portugal não teve até agora nenhuma crise de governabilidade, houve sempre soluções para formar Governo, a crise que existe é de confiança determinada pelo que aconteceu depois da crise internacional”, considerou o novo líder parlamentar dos socialistas.

Também para o PCP, Cavaco Silva não assumiu as suas responsabilidades. “Um discurso que ignora as dificuldades e o agravamento da crise política que estamos a viver com um Governo que já há muito devia ter sido demitido e que só se mantém em funções porque goza da cobertura política do Presidente da República”, disse João Oliveira, dirigente da bancada comunista.

Para o BE, Cavaco persistiu no erro de pedir compromissos para a austeridade. “Insiste na chamada cultura de compromissos à volta de mais do mesmo, da política de austeridade, da política da troika sem a troika, esse compromisso é o que fatalmente leva ao aumento do desagrado dos cidadãos”, comentou Luís Fazenda.