Um passo para a sustentabilidade do SNS

É necessário encontrar mecanismos que de forma permanente mantenham os esforços dentro de cada unidade do SNS para eliminar desperdícios.

A discussão sobre a sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem já longos anos. Decorre da sua centralidade no sistema de saúde português e de ser financiado sobretudo por impostos.

O problema é como atingir os objectivos assistenciais definidos pelo SNS dentro dos fundos disponibilizados. Trata-se da evolução das despesas públicas com saúde face aos impostos recolhidos e face às restantes, necessárias para as outras intervenções do Estado igualmente desejadas (educação, combate à pobreza, pensões, segurança e defesa nacional, etc.).

Se existe um problema de escolha política, o funcionamento do SNS deverá facilitar essa escolha utilizando os recursos disponíveis quando vale a pena. A definição do que “vale a pena” é que é difícil e exige um esforço contínuo de discussão e avaliação.

Uma versão mais simples é exigir que o SNS não utilize mal os recursos disponíveis, o “combate ao desperdício”. Enunciar este princípio é pouco útil, apesar de consensual. É necessário encontrar mecanismos que de forma permanente mantenham os esforços dentro de cada unidade do SNS para eliminar desperdícios.

Entra aqui o efeito perturbador da criação de dívida pública pelos hospitais EPE. Desde 2012 que, exceptuando os meses de regularização extraordinária de dívidas, o ritmo de crescimento mensal dessa dívida tem sido de 32 milhões de euros (384 milhões de euros por ano), a maior parte à indústria farmacêutica. Contudo, é errado pensar que é apenas um problema de gasto com medicamentos. Quando um hospital atrasa pagamentos, seja por que razão for, as farmacêuticas são o fornecedor mais fácil de encontrar para suportar esse atraso. Ou seja, há um problema de gestão que se traduz em dívida à indústria farmacêutica e que se acumula – até haver uma verba extraordinária do Orçamento do Estado.

Há pois que resolver esse problema de gestão. Elementos que, a meu ver, fazem parte da solução são: a) orçamentos realistas, acompanhados da responsabilização da gestão; b) registo centralizado de dívidas, feito pelas entidades credoras do hospital, sem o qual não haverá dívida atrasada paga; e c) acompanhamento mensal das unidades com maior crescimento de dívida.

a) Orçamentos com horizontes de três anos (em lugar de ano a ano), com um “grupo de intervenção rápida” de gestão para acompanhar, ou até substituir, as equipas dirigentes que mostrem incapacidade em resolver o problema de acumulação de dívida. 

b) Sem prejuízo de uma eventual decisão de não pagar dívidas, procurar evitar que os hospitais criem – e as companhias farmacêuticas aceitem – dívidas com base no pressuposto de que haverá quem depois as pague.

c) Fazer com que a autonomia na gestão seja merecida, ao mesmo tempo que se detectam cedo os problemas.

Para este processo funcionar, os orçamentos dos hospitais têm de ser adequados à respectiva actividade, incluindo a manutenção e renovação de equipamentos.

Esta mudança não resolverá, por si só, todos os problemas do SNS. Mas se não garante a sustentabilidade financeira no longo prazo, sem essa mudança é que ela nunca será possível. A ausência destas alterações fundamentais vai fazer com que, quando houver falta de fundos, as soluções rápidas sejam mais dramáticas (interrupção ou deterioração da capacidade assistencial, ou impostos adicionais, ou pagamentos mais elevados no momento de utilização de cuidados de saúde).

Exploraremos este tema em detalhe na Conferência Gulbenkian de 6 e 7 de Outubro.

Professor universitário, NOVA School of Business and Economics e Institute of Public Policy TJ-CS

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