Ano arranca com boicotes e protestos contra falta de docentes, funcionários e escolas encerradas

Para o Observatório de Políticas de Educação e Formação, este foi “um início de ano lectivo grave e preocupante”. Ministro diz que está “a começar bem”.

Foto
Início do ano lectivo em Lisboa Enric Vives-Rubio

"Trabalhamos sempre para que corra da melhor maneira. Há sempre um problema ou outro, uma escola que tem uma dificuldade num aspecto ou noutro, mas os lugares em falta estão a ser preenchidos", acrescentou. Segundo o ministro, "num universo de 100 e tal mil professores no sistema educativo público, fala-se da colocação de mil/dois mil professores”, nesta segunda-feira.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

"Trabalhamos sempre para que corra da melhor maneira. Há sempre um problema ou outro, uma escola que tem uma dificuldade num aspecto ou noutro, mas os lugares em falta estão a ser preenchidos", acrescentou. Segundo o ministro, "num universo de 100 e tal mil professores no sistema educativo público, fala-se da colocação de mil/dois mil professores”, nesta segunda-feira.

Apesar de Nuno Crato as desvalorizar, as vozes de protesto foram muitas. E por diferentes razões. Os pais dos alunos da Escola Básica do 1.º ciclo do Vidigal, Leiria, fecharam o estabelecimento com um cadeado. Queixam-se de que só há uma funcionária a tempo parcial, pelo que parte das 45 crianças ficam “sem ninguém a tomar conta delas”.

Em Lisboa, havia alunos que garantiam não ter professores a algumas disciplinas. Ana Catarina, 17 anos, aluna da Escola Secundária Rainha Dona Leonor, diz que, para já, em cinco disciplinas, só tem dois professores: “Temos o de Matemática e a de Aplicações Informáticas. Faltam três, o de Português, Sociologia e Educação Física.”

Igor, 16 anos, também conta que, “se este ano, for como no ano passado”, não vai ter logo as aulas “todas”: “No ano passado, houve professores que deram duas semanas e foram-se embora. Estivemos mais duas semanas à espera de professor, veio outro, foi-se embora e, depois, veio outra vez outro. É o normal”, diz, encolhendo os ombros.

Por volta das 8h15, havia alguma agitação à entrada da escola. Carros, o barulho de fundo das conversas dos jovens. Maria Manuela Jorge, 71 anos, mete um pão na mochila da neta, dá-lhe um beijo e deseja-lhe “felicidades”. A miúda vai entrar no 7.º ano. “Vim ver a entrada dela nesta escola”, diz a avó que na sexta-feira foi à reunião e ficou descansada quanto à colocação de professores. “Acho que tem os professores todos. Pelo que foi dito, fiquei com a impressão de que a coisa está equilibrada. Se falhar, é um ou outro [docente]. Acho que não vai haver furos.” Mas houve: Inês, 16 anos, não teve a aula de Português. Luís, da mesma idade, não teve Educação Visual. A maior parte dos alunos desconhecia a razão pela qual não apareceu o professor e a direcção da escola também não quis falar com o PÚBLICO.

“Em polvorosa”
Para o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel Pereira, o ministro “não pode continuar a afirmar que o ano lectivo está a arrancar com normalidade”, quando “as escolas, e particularmente as que estão em Território Educativo de Intervenção Prioritária e as que têm autonomia, estão em polvorosa”. “A desorganização é imensa, as instruções do Ministério são confusas e incompletas, as colocações têm causado inúmeros problemas e ainda não temos plataforma informática para pedir professores para colmatar as necessidades temporárias”, enumerou. Segundo diz, o seu telefone não "pára de tocar". "Quando pensamos que o início do ano lectivo não pode ser pior do que o anterior a realidade mostra-nos que estávamos enganados."

Aljustrel, Idanha-a-Nova, Covilhã, o descontentamento percorreu várias zonas do país. A concentração de alunos de diferentes anos de escolaridade nas mesmas turmas foi o motivo do protesto de dezenas de pais, no Centro Escolar de Gandarela, Celorico de Basto, que impediram o início das aulas.

Os encarregados de educação da Escola Básica 1 de Figueira de Lorvão, Penacova, contestaram o incumprimento da lei no enquadramento de crianças com necessidades especiais. Em Nelas, os pais dos  alunos da Escola do 1.º ciclo da Lapa do Lobo prometem continuar a levar os filhos a este estabelecimento de ensino, apesar de a tutela o ter encerrado. Em Casal de Cambra, Sintra, reclama-se, na EB 2/3 Prof. Agostinho da Silva, contra a falta de “41 professores num universo de 110 que deviam estar colocados no agrupamento escolar".

O Observatório de Políticas de Educação e Formação emitiu um comunicado, considerando que “este ano, o quarto do mandato do actual governo, abre em guerra com os professores, com o descontentamento de muitos pais, autarcas, funcionários e outros profissionais”: “Será isto a normalidade?”, questionam, considerando que foi “um início de ano lectivo grave e preocupante”.

Defendem que “é mais um ano em que se aliam políticas de retrocesso educativo com incapacidade de gestão e um enorme desrespeito por todos os cidadãos”. Criticam, entre outros aspectos, que haja “escolas sem bar nem biblioteca” e encerramentos que obrigam as crianças a “longas deslocações”.

“É normal haver manifestações públicas de desagrado de professores e de pais no 1.º dia de aulas?”, perguntam. “As políticas de retrocesso à escola do passado aliam-se à incompetência do Ministério, com sorrisos públicos de autocontentamento dos governantes que insistem até que este ano ‘tudo está melhor”, escrevem na nota.

Também a Federação Nacional de Professores (Fenprof) defendeu que se instalou, na abertura de cada ano, uma “normalidade da anormalidade”. “Dizia hoje [segunda-feira] o secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário que se poderia classificar esta abertura como qualquer coisa dentro da regularidade, da normalidade e da tranquilidade. De alguma forma acabamos por reconhecer que é verdade. De alguma forma tornou-se normal que o ano comece mal e, portanto, a normalidade da abertura que se instalou neste país é uma normalidade da anormalidade”, disse o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira.

“Intransigentes”
Também no Alentejo, o dia não foi totalmente pacífico. Nas escolas de Rio de Moinhos (Aljustrel), Vila Nova da Baronia (Alvito), e Vila Ruiva (Cuba), distrito de Beja, as crianças do 1.º ciclo do ensino básico não foram para as salas, em protesto contra o encerramento daqueles estabelecimentos e porque as autarquias se recusam a proceder ao seu transporte, alegando falta de recursos financeiros.

Na freguesia de Rio de Moinhos, o presidente da Câmara de Aljustrel, Nelson de Brito, juntou-se aos pais que se mantêm “intransigentes e querem garantias de abertura da escola de Rio de Moinhos ou pelo menos que sejam dadas garantias de transporte [assegurado pelo Ministério]”.

Em Vila Nova da Baronia, o mesmo cenário. “Não podemos aceitar que crianças com 4, 5 e 6 anos abalem de pé dos pais, quando temos na vila uma escola com todas as condições”, protestava uma das mães que admitiu reter o filho em casa se insistirem na sua transferência para o centro escolar de Alvito.

O presidente da Câmara de Alvito, António João Valério, critica o Ministério por “nunca se ter mostrado disponível” para aceitar que a escola de Vila Nova da Baronia pudesse continuar aberta. Pese embora a decisão desfavorável do tribunal à providência cautelar interposta pela autarquia, o presidente está “a pensar recorrer para impedir o encerramento” daquela escola.

Nuno Crato afirmou, nesta segunda-feira, que "não há uma única providência cautelar" contra o encerramento de escolas que tenha tido efeito suspensivo. "Do meu conhecimento, não há uma única providência cautelar que tenha tido efeito suspensivo", disse, escusando-se a comentar os casos particulares de escolas que abriram à revelia da decisão da tutela. "As providências cautelares são uma possibilidade legal que as pessoas podem utilizar. Têm todo o direito de o fazer. Nos apresentámos uma contestação fundamentada e a partir desse momento a providência cautelar cessa o seu efeito imediato", acrescentou.

Já em Braga, mesmo sem todos os professores colocados, o arranque do ano foi mais calmo. A escola EB 2,3 André Soares inicia este Setembro com instalações totalmente renovadas, mas ainda à espera de alguns professores para completar o quadro de docentes. Faltam os de Educação Especial, que não foram ainda colocados, apesar de pedidos no Verão, bem como dois horários pequenos, que só agora vão ser requisitados à tutela.

“Só temos a situação de Educação Especial por resolver”, diz a directora, Graça Moura. Os restantes horários solicitados no Verão foram todos ocupados. Nos próximos dias, serão pedidos outros dois docentes, de Alemão e Português. “São horários pequenos”, explica.

Neste agrupamento, as aulas começaram com instalações a estrear, depois das obras de renovação do último ano. No exterior, ainda são ultimados pormenores, mas nas áreas interiores tudo está pronto. “Estamos a começar a testar as novas instalações, mas parece-nos que está tudo pronto para termos um ano lectivo bem-sucedido”, avalia. Faltam apenas chegar as novas mesas e cadeiras, com entrega prevista para o final do mês. “Até lá estamos a usar o equipamento que tínhamos.”

Esta é a única escola de Braga que começa o ano lectivo em instalações novas, mas partilha com as restantes contactadas pelo PÚBLICO a escassez de problemas relacionados com a colocação de docentes. “Já temos os professores todos”, diz Ricardo, aluno da Escola Secundária Alberto Sampaio. A informação é confirmada pelo director, João Andrade: “Não tivemos problemas com o concurso de mobilidade individual.” A escola está só a ultimar as colocações de substituições de docentes com baixas por doença, mas tem todos os horários atribuídos. “Está tudo preparado para um ano tranquilo”, garante. Com Lusa