Bill Viola criou Mártires em vídeo para a Catedral de São Paulo

A Catedral de São Paulo, em Londres, pediu ao artista de vídeo que criasse uma instalação. O resultado são quatro vídeos que juntos fazem lembrar os polípticos dos altares medievais.

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"Martyrs (Earth, Air, Fire, Water)" está na Catedral de São Paulo desde terça-feria Peter Mallet

Uma instalação de arte contemporânea em vídeo e uma catedral do século XVII. O artista americano Bill Viola e a Catedral de São Paulo, em Londres, uniram estes dois mundos e desde terça-feira que Martyrs (Earth, Air, Fire, Water) – Mártires (terra, ar, fogo, água) – está neste espaço de culto e quer mostrar o momento de libertação dos mártires, e não o de sofrimento.

A instalação foi encomendada há onze anos pela Catedral de São Paulo, que está habituada a comissariar peças de arte contemporânea como forma de explorar “a relação entre arte e fé”, lê-se no seu site. Yoko Ono, Antony Gormley ou Rebecca Horn já expuseram neste espaço. Para Bill Viola esta é a segunda vez que expõe neste lugar, depois de Tempest (Tempestade), em 2008, e no próximo ano vai apresentar a instalação Mary, também criada a pedido da catedral.

Martyrs (Earth, Air, Fire, Water) está exposto ao fundo da nave leste da catedral, lugar dedicado aos mártires. A peça constitui-se por quatro ecrãs verticais que fazem lembrar os polípticos pintados na idade média para os altares das igrejas. Em cada um dos ecrãs, num vídeo de cerca de sete minutos, uma pessoa é massacrada por um dos elementos naturais. Não há som e as imagens são lentas e calmas, assim como a expressão estóica dos que estão expostos àquele sofrimento.

Bill Viola diz numa entrevista divulgada no site da catedral que cada vídeo se constitui por três momentos: ao início o mártir está deixado à sua sorte num lugar horrível enquanto é agredido pela água, pelo fogo, pelo ar ou pela terra. Depois sente uma força interior que o faz resistir fisicamente a essa agressão, e por fim está cansado, pálido, mas sereno.

“Não vemos as decisões [que tiveram que tomar], os sacrifícios – isso não faz parte da peça. A peça é a resignação, a dignidade e finalmente a libertação, a conquista destes elementos”, diz na mesma entrevista Kira Perov, directora do estúdio Bill Viola e sua mulher.

“Decidimos representar o mártir não do ponto de vista do espectador, mas do seu espaço interior”, continua Bill Viola. Na procura por uma forma universal para representar o sacrifício, diz Perov, escolheram os quatro elementos naturais por serem a “força selvagem da natureza que não se pode controlar”. A força da água, do fogo, do ar e da terra foram adaptados aos esboços que Bill Viola já tinha feito: um corpo humano sentado, um outro pendurado pelos braços, outro pelos tornozelos e um último agachado.

“Isto não é uma exibição gore, mas há uma sugestão sadomasoquista que desafia os clichés religiosos”, escreve o crítico Jonathan Jones no jornal britânico The Guardian. O crítico que chamou a esta instalação o “Caravaggio de alta tecnologia” que “redefine o que é a arte sacra” vê Martyrs como uma peça provocadora: não há nela a imagem aterradora do mártir que sangra, grita e reza enquanto sofre. Pelo contrário, eles suportam quieta e silenciosamente o sofrimento. É por isto que Viola percebe o essencial da ideia de mártir, diz Jones: “o mistério da coragem humana que sobrevive ao impensável. Esta força vem de Deus? De onde vem?”

Para Bill Viola esta ideia essencial do que é o mártir, de que fala Jones, é o que interessa ao público que visita a Catedral de São Paulo, qualquer que seja a sua religião. “É uma característica humana e nós reduzimos isto ao humano, ao universal. Há muitas culturas, muitas pessoas a agir de maneira diferente, mas por baixo disso, há este núcleo, há este lugar que se procura salvação em todos em todos”, diz o artista de vídeo.

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