Andorinhas surfistas

No sábado o mar estava bravo debaixo de nuvens cheias de chuva. Perto da praia toda a gente fugia e se abrigava. Mas sobre as rochas e a rebentação monstruosa das ondas, cortando o céu em caóticas julianas, rompiam andorinhas loucas.

Voavam rasas a centímetros do mar mas pareciam saber o que estavam a fazer: a divertir-se. Lembrei-me do Cabo da Boa Esperança na África do Sul, que as andorinhas devem conhecer, onde o clima e o mar são iguais aos da nossa costa.

Passei uma hora a ver as andorinhas, estupefacto. Nunca temi que uma delas morresse. Mas sabia, pelo frio e pela cinzentidão do dia, que não havia ali insectos para elas comerem. Eram génias.

Orlando Ribeiro, numa grande crónica, ensinava-nos que as andorinhas, quando ziguezagueiam pelos ares, não estão a voar só por voar (a versão art for art's sake das andorinhas): estão a apanhar insectos voadores; estão a almoçar.

Se calhar eram andorinhas das arribas, daquelas que vivem nos rochedos onde a terra dramaticamente acaba e o mar, ainda mais dramaticamente, começa. Talvez...

As gaivotas, ao pé das andorinhas, retiraram-se vergonhosamente, já que apenas gostam de surfar as massas de ar. As andorinhas também apanham essas boleias mas, quando elas acabam, mexem as asas como quem foge à morte, com gosto.

Abre a alma ver estas caligrafias de voo, inteiramente imprevisíveis, escritas pelas aves mais próximas dos nossos corações.

Lê-las é viver outra vez. Abençoadas sejam.
 

  

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