Preconceitos sobre a Europa

(a) Os Alemães seriam inflexíveis. Para eles, a Europa só tem sentido se for economicamente dominada. Vingariam as duas derrotas militares sofridas no século XX e a divisão e perda de território a que foram forçados. Errado. A Alemanha, antes de Schroeder, estava em grave crise, carecendo de reformas profundas, na segurança social, na saúde, na educação, na formação profissional, na gestão do território. Sem contar com os efeitos dos altos custos da reunificação. O Chanceler social-democrata executou as reformas e perdeu as eleições para os Cristãos Democratas. É certo que a Alemanha domina a indústria química, têxtil, metalo-mecânica e automóvel. É a campeã europeia da exportação de produtos acabados, com um excedente comercial forte e também a maior distribuidora mundial das manufacturas chinesas. Todavia, para ganhar precisa de exportar, para exportar precisa de quem compre. O enfraquecimento das periferias tornou nulo ou medíocre o seu crescimento. Ela sabe que numa economia europeia fechada a 75%, o desnível de competitividade entre estados membros condena a Europa ao aprofundar de desigualdades. Quando um país se afunda, a Alemanha enfrenta um dilema: ou ajuda o País, ou este pode vir a abandonar o Euro. Até agora o segundo cenário tem sido evitado; aceitou dois perdões de dívida na Grécia e o deslizar do cumprimento das metas da Troika por duas vezes; daí o alvoroço com que acolheu a saída da Irlanda do programa de ajustamento e a extrema benevolência com que aceita ver como êxitos, os magros progressos da economia portuguesa. Afinal, os Alemães revelam-se bem flexíveis.

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(a) Os Alemães seriam inflexíveis. Para eles, a Europa só tem sentido se for economicamente dominada. Vingariam as duas derrotas militares sofridas no século XX e a divisão e perda de território a que foram forçados. Errado. A Alemanha, antes de Schroeder, estava em grave crise, carecendo de reformas profundas, na segurança social, na saúde, na educação, na formação profissional, na gestão do território. Sem contar com os efeitos dos altos custos da reunificação. O Chanceler social-democrata executou as reformas e perdeu as eleições para os Cristãos Democratas. É certo que a Alemanha domina a indústria química, têxtil, metalo-mecânica e automóvel. É a campeã europeia da exportação de produtos acabados, com um excedente comercial forte e também a maior distribuidora mundial das manufacturas chinesas. Todavia, para ganhar precisa de exportar, para exportar precisa de quem compre. O enfraquecimento das periferias tornou nulo ou medíocre o seu crescimento. Ela sabe que numa economia europeia fechada a 75%, o desnível de competitividade entre estados membros condena a Europa ao aprofundar de desigualdades. Quando um país se afunda, a Alemanha enfrenta um dilema: ou ajuda o País, ou este pode vir a abandonar o Euro. Até agora o segundo cenário tem sido evitado; aceitou dois perdões de dívida na Grécia e o deslizar do cumprimento das metas da Troika por duas vezes; daí o alvoroço com que acolheu a saída da Irlanda do programa de ajustamento e a extrema benevolência com que aceita ver como êxitos, os magros progressos da economia portuguesa. Afinal, os Alemães revelam-se bem flexíveis.

(b) Estaríamos condenados ao empobrecimento por décadas. Para quem duvidasse, veio o Presidente lembrá-lo. Não sei se fez bem ao ler-nos o pregão do garrote continuado de um pacto orçamental que apenas aceita défice de 0,5% e dívida pública até 60% do PIB, condenando-nos ao purgatório eterno. A condenação não é um desfecho fatal. Não só estamos acompanhados por muitos incumpridores de metas tão pouco estimulantes, como na hora da verdade sobre todos, incluindo nós, irá cair uma bênção omissora. Todavia, o semestre de Bruxelas, ou seja, o processo de elaboração de cada orçamento agora sujeito a múltiplos controlos externos, acaba por aumentar a transparência de contas e tornará os Estados Membros mais iguais na adversidade. Depois, nada de mais mutante e imprevisível existe neste mundo que a Economia. O que hoje é bom para alguns, pode passar a péssimo em poucos meses ou semanas. Imaginem que a crise da Ucrânia tinha um desfecho imprevisto e violento. O que aconteceria à Alemanha, com o nuclear a encerrar, as eólicas ainda intermitentes e descoordenadas e a depender em 25% do gás russo? Toda a história está repleta de ajustamentos e cedências, para evitar crises mais graves. Veja-se como a Espanha recusou a Troika, impondo a limitação da intervenção ao sector bancário em quantidade inferior ao previsto. Veja-se como a Itália recusou a Troika em troca de algumas reformas inadiáveis e acabou por ser “salva pelo gong”, com Draghi a ameaçar os mercados com a secagem de toda a dívida soberana, se preciso fosse.

(c) Os grandes fatalmente dominarão os pequenos, substituindo o método comunitário pelo método dos directórios intergovernamentais, isto é, dois ou três grandes decidem entre si as soluções que irão impor ao resto do Conselho e à Comissão. A deriva existe, mas tem sido contrariada pelo Parlamento e pode ser rectificada. Os encontros de Deauville, entre Merkel e Sarkozy, desapareceram. O debate é agora mais alargado. Se mais não fez, ao menos isso devemos a Hollande. É certo que a Comissão se fragilizou sem conseguir recuperar a iniciativa política e sem liderança que marcasse o ritmo. Apagou-se perante o Conselho e deixou que Van Rampuy ocupasse os espaços abertos. Valeu-nos o Parlamento e a entrada de Schulz que mudaram o panorama. Seja Schulz ou Juncker o futuro presidente da Comissão, tudo vai ser diferente. A cultura das instituições, antes dos cinco negros anos que agora terminam, era de solidariedade e partilha entre Estados Membros, com uma vontade implícita de apagar diferenças e não de as acentuar. É possível regressar a essa cultura positiva se os mais frágeis se não acachaparem. O Parlamento demonstrou como podem ser reequilibrados os poderes.

(d) Estaríamos condenados a obedecer por sermos fracos, indolentes, desorganizados e incumpridores. Melhor será sermos alunos obedientes, atentos, veneradores e obrigados. Nada de mais errado. Dobrar a cerviz nunca gerou respeito, cumprir cegamente instruções excessivas ou ampliar-lhes a dose à procura de maior efeito e mais simpatia é uma demonstração de incapacidade de se pensar pela própria cabeça. Além de erro técnico. O diálogo político bem preparado e bem fundamentado serve justamente para amaciar asperezas e aproximar posições. A menos que não tenhamos posição; ou que a nossa seja afinal a deles, como parecia acontecer. Quem não sabe identificar o interesse nacional não merece o poder. O Parlamento recusou a inaceitável proposta de União Bancária que o Conselho lhe queria impor. Lutou e venceu. Graças a uma relatora chamada Elisa Ferreira que se não deixou intimidar. Elisa fez, afinal, o que o nosso e outros governos frágeis já de há muito deviam ter feito: não se deixarem esmagar.

(e) Finalmente, argumenta-se que a fraqueza da Europa vem dos seus fracos protagonistas. É verdade que a Europa tem andado aos tombos, a perder força, riqueza e prestígio. A crise da Ucrânia é mais uma prova de acumulação de erros e de jogadas de aprendizes de feiticeiros. É certo que os cinco anos passados são para esquecer, mas os erros servem para com eles se aprender. Com um novo presidente de Comissão, um novo presidente de Conselho, novos dirigentes do Eurogrupo e do Serviço da Acção Externa e um novo Parlamento, a Europa refresca os seus representantes e legitima os novos dirigentes. Fortes reis podem voltar a tornar fortes as fracas gentes.

A morte saiu ao caminho e ceifou dois dos nossos melhores: D. José Policarpo e José Medeiros Ferreira. Guardo do primeiro a amizade e a recordação de um acto de bom senso em situação quase extrema para que alguns pretendiam arrastar o Estado. Guardo do segundo uma amizade de há mais de cinquenta anos, o fulgor de intelectual criativo e a mordacidade amiga com que acolhia o mundo e os homens.