Helen Thomas, jornalista que acompanhou dez Presidentes americanos, morreu aos 92 anos

Veterana repórter da Casa Branca começou a carreira seguindo John Fitzegerald Kennedy. Era uma lenda do jornalismo de Washington

Fotogaleria

A longevidade e pioneirismo da carreira fizeram dela uma “lenda” entre os jornalistas da capital dos EUA. Helen Thomas teria alcançado um estatuto mítico no jornalismo político norte-americano, não fosse o episódio que a afastou definitivamente da profissão, em 2010, com quase 90 anos: a divulgação de comentários anti-semitas, numa conversa filmada por um rabi e documentarista que estava de visita à Casa Branca. Ela surgia a dizer que os judeus "deviam pôr-se a andar da Palestina" e "ir para para casa". Não resistiu à controvérsia, que acabou por ditar a sua demissão.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A longevidade e pioneirismo da carreira fizeram dela uma “lenda” entre os jornalistas da capital dos EUA. Helen Thomas teria alcançado um estatuto mítico no jornalismo político norte-americano, não fosse o episódio que a afastou definitivamente da profissão, em 2010, com quase 90 anos: a divulgação de comentários anti-semitas, numa conversa filmada por um rabi e documentarista que estava de visita à Casa Branca. Ela surgia a dizer que os judeus "deviam pôr-se a andar da Palestina" e "ir para para casa". Não resistiu à controvérsia, que acabou por ditar a sua demissão.

Como recordam agora os seus antigos colegas, esse incidente que a obrigou a uma reforma indesejada e sem glória resumia, para o melhor e o pior, a personalidade e o carácter de Helen Thomas: uma mulher destemida, polémica, que não se furtava a controvérsias e não se importava de ser inconveniente. “Coquette” na aparência mas simples no trato, dura nas palavras mas justa nos juízos, inflexível mas generosa e divertida com os seus colegas e as suas fontes.
Filha de imigrantes libaneses, Helen Thomas nasceu no Kentucky e cresceu em Detroit, numa família de nove filhos. A sua paixão pelo jornalismo manifestou-se no liceu, e cresceu na universidade.

Atrás das cabeleireiras de Jackie
No fim dos estudos, em 1942, mudou-se para Washington, onde arranjou emprego como copygirl no defunto Washington Daily News. Foi uma passagem efémera, mas que lhe deu a confiança necessária para, um ano depois, ir bater à porta de cada um dos escritórios do National Press Building – foi a agência United Press Internacional (UPI) quem a contratou, para o serviço de rádio (a voz grave tornar-se-ia uma das suas imagens de marca).

Da rádio foi transferida para a secção nacional na década de 1950, cobrindo o noticiário das agências e departamentos do Governo federal. Em 1960 foi destacada para a cobertura da campanha eleitoral de um jovem senador democrata, John F. Kennedy. Thomas reconheceu aí uma oportunidade: nenhum dos repórteres veteranos da política conseguia garantir o noticiário sobre a vida do casal Kennedy que tanto interesse despertava, e Helen corria atrás das cabeleireiras e modistas de Jaqueline Kennedy.

O seu esforço acabaria por ser recompensado quando, em 1961, a UPI a integrou na sua equipa da Casa Branca – Kennedy acabava de ser eleito Presidente e uma nova era começava em Washington. Thomas entrava num mundo que ainda permanecia vedado às mulheres; ao longo dos anos, quebrou barreiras em nome das mulheres no jornalismo e até morrer foi uma proeminente defensora da igualdade de oportunidades na sua profissão.

Depois de Kennedy, o seu Presidente favorito, veio Lyndon Johnson; Richard Nixon; Gerald Ford; Jimmy Carter; Ronald Reagan, George Bush, Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama, com quem partilhava a data de aniversário. Helen Thomas acompanhou dez Presidentes e durante décadas na Casa Branca construiu uma sólida reputação como uma das jornalistas mais acutilantes, perseverantes e competitivas de Washington.

W recusou responder-lhe três anos
Algumas das perguntas “difíceis”, que colocava com uma inocente e desarmante facilidade, ficaram nos anais da Casa Branca. Como quando perguntou a Nixon sobre um alegado “plano secreto para acabar com a guerra no Vietname: qual é?”

Ou no fim do escândalo Lewinsky provocou Bill Clinton: “Acha que ainda devia estar aqui?”.

Ou quando na primeira oportunidade para inquirir George W. Bush – que durante três anos recusou responder-lhe por Helen o ter considerado “o pior Presidente da história dos Estados Unidos” – disparou: “Todas as razões que invocou para a invasão do Iraque revelaram-se falsas: afinal, essa guerra foi para quê?”

Thomas, que nunca escondeu as suas simpatias políticas “liberais”, demitiu-se da UPI no ano 2000, depois de 57 anos de contrato e depois de a agência ter sido comprada pela News World Communications, a subsidiária para os media da Unification Church fundada pelo líder religioso coreano Sun Myung Moon.

Era, na altura, a detentora da “senioridade” no corpo de correspondentes da Casa Branca: segundo as regras não escritas que vinculam os jornalistas que cobrem a presidência, a primeira pergunta nas conferências de imprensa é prerrogativa do repórter das agências há mais tempo no cargo.

Helen regressou dois meses mais tarde, como colunista do conglomerado Hearst Newspapers: os seus textos continuaram a ser distribuídos em jornais de todo o país, mas desta vez sem os “constrangimentos” da escrita de agência a que sempre obedeceu. “Tive de me auto-censurar durante mais de 50 anos, mas agora posso acordar e pensar: com quem é que estou furiosa esta manhã?”, escreveu na sua biografia Thanks for the Memories, Mr. President.