Dez anos depois, a Aldeia da Luz "parece uma terra-fantasma"

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Dizem os moradores que na velha aldeia conviviam mais e que hoje as ruas, sobretudo à noite, estão quase sempre desertas Miguel Manso

No dia da inauguração, o então primeiro-ministro Durão Barroso exultava: "Quem dera que todas as aldeias do nosso país fossem como a [nova] Aldeia da Luz." Passou o tempo, o país já teve mais três primeiros-ministros, mas o presidente da junta, que se manteve no cargo, recorda que, naquela mesma cerimónia, olhou para Barroso e respondeu que só dez anos depois se saberia se tinha valido a pena a transferência da aldeia para uma nova localização. E, na perspectiva de Francisco Oliveira, o balanço é negativo.

Decorrida uma década "perdemos população e qualidade de vida", insurge-se desagradado o presidente da Junta de Freguesia da Aldeia da Luz. "Mudámos os vivos e os mortos, mas não mudámos de vida", sintetiza o autarca, descrevendo um retrato sombrio acerca da freguesia que teve de ser reconstruída noutro local porque o antigo casario foi engolido pela albufeira (ver caixa).

Francisco Oliveira diz-se cansado e desiludido com o retrocesso que a comunidade sofreu nos últimos dez anos, um período "muito negativo" para todos aqueles que vivem na nova aldeia", que pouco viram do desenvolvimento prometido. Hoje já não se vêem chegar vindos de todo o país os autocarros cheios de gente curiosa para conhecer a nova aldeia que mantinha uma grande projecção mediática por força dos conflitos que a população manteve com a Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas de Alqueva (EDIA), a entidade responsável pela sua construção.

A aldeia até recebeu um conjunto de equipamentos, mas estes não trouxeram o desenvolvimento prometido. Aliás, é patente que a vida comunitária "desapareceu", observa Isaura Claudina Frasquilho, 73 anos, lembrando um desabafo recente que um forasteiro lhe fez: "Oh, minha senhora! Isto parece uma aldeia-fantasma." Uma sua vizinha, Camila Godinho Lopes, 80 anos, reforça o pessimismo que reina na comunidade: "A aldeia está morta, sem vida nenhuma. Vamos pela rua e não se vê gente."

O autarca, que sempre manteve um braço-de-ferro com a EDIA, e um forte pendor reivindicativo, descreve o que falta cumprir. Não completaram o processo de emparcelamento dos terrenos agrícolas. Não fizeram a adega prometida para dar apoio à produção em 84 hectares de vinha e os agricultores são obrigados a transferir para outros lagares quase 300 toneladas de uva.

Na escola que, na altura da sua inauguração, tinha 28 crianças, agora há apenas oito. O autarca diz ter feito "uma briga" para lembrar às autoridades responsáveis pela área da Educação que a aldeia tinha "uma das melhores escolas básicas do país", tentando que não fechassem o estabelecimento de ensino. Mesmo assim, tiveram de trazer crianças de Mourão, a sede do concelho. E "eu ando a angariar casais para ter miúdos na escola", confessa o presidente da junta.

Lar de idosos sem vagas

No reverso da medalha, o lar da comunidade está cheio de idosos. Alguns já têm de ir para Mourão e muitos estão em lista de espera. "Não é com idosos que nós vamos aumentar a população", salienta Joaquim Oliveira, realçando a acentuada quebra demográfica que a freguesia sofreu desde que foi inaugurada. Em 2002 foram transferidos para as novas casas 423 habitantes. Uma década depois, são 297 os moradores. E cerca de cem casas estão desocupadas.

Mas nem todos afinam por este tom crítico. Francisco Serrano Chilrito, 75 anos, assume não ser "daqueles que estejam mal", embora reconheça que "tem havido uns problemas", sobretudo na rede de esgotos. "Mas não me sinto prejudicado. Deram-me mais ou menos tudo o que tinha", garante.

A grande diferença está no relacionamento entre os moradores. Na velha aldeia "era diferente", as pessoas conviviam mais. "A mudança de lugar isolou-nos e vivemos tristes por isso", corrobora Isaura Frasquilho, reforçando com uma constatação que faz sempre que vai à rua: "Durante o dia vemos uma ou duas pessoas e durante a noite não se vê ninguém."

Estes estados de alma revelam que, apesar da sua história singular, a realidade da Aldeia da Luz "não é distinta da de outras aldeias do Alentejo, e do Interior do resto do País", argumenta a administração da EDIA, entidade responsável pelo projecto Alqueva e à qual coube a concessão, o projecto e a construção do aglomerado populacional.

A perda de população e o seu consequente envelhecimento "são processos cuja solução ultrapassa as capacidades e competências da EDIA". No entanto, a empresa realça o sucesso do Museu da Luz, único equipamento que continua a gerir de todos os que foram instalados, e que recebe "cerca de um milhar" de visitantes por mês.

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