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Cavaco Silva critica cortes salariais e diz que também quer ver "privados" a pagar a crise

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Cavaco Silva voltou a provocar a polémica na campanha nuno ferreira santos

Cavaco continua a marcar a campanha. As críticas feitas ontem levaram os outros candidatos a lembrar que ele patrocionou as negociações do Orçamento do Estado

A frase ainda vinha da véspera, do comício de Arcos de Valdevez, mas dominou a campanha de ontem. Cavaco Silva acha que há "alguma injustiça" nos cortes dos salários dos funcionários públicos. Acima de tudo, porque há milhares de portugueses, alguns deles com rendimentos elevados, que são poupados aos "sacrifícios" pedidos pelo Governo de José Sócrates. Os trabalhadores da administração pública foram afectados, "nalguns casos, com alguma injustiça, porque outros, com muito maiores rendimentos, não foram chamados a dar o seu contributo".

Ontem de manhã, em Penafiel, tentou explicar melhor. Não disse preto no branco se se referia ao sector privado, mas é o que se pode deduzir da resposta. "Não sabe que as reduções de rendimentos só foram aplicadas a funcionários públicos?" E registe-se que Cavaco é contra um aumento de tributação para rendimentos mais elevados. "Não é essa a via", afirmou.

E voltou à tese de que os "sacrifícios" não podem ser só para os trabalhadores da administração pública. São "largos milhares" de pessoas que ficaram fora desses "sacrifícios", afirmou aos jornalistas o candidato que, quando primeiro-ministro, fez uma (contestada) reforma das carreiras na administração pública.

Numa arruada em Penafiel, o Presidente lembrou que "não foram pedidos sacrifícios a outras pessoas com rendimentos muito maiores". E deu alguns exemplos: "Directores, funcionários de elevados rendimentos."

E insistiu que "não houve uma tributação sobre alguns largos milhares de portugueses". Afinal, "uma banalidade", já que "tudo isto é conhecido". Como tem acontecido noutros dias, Cavaco não voltou ao tema durante o dia. Nem corrigiu a interpretação dos jornalistas.

Mas se Cavaco não voltou a falar do assunto, Manuel Alegre fê-lo. O candidato que pela segunda vez disputa a presidência com Cavaco, diz que estas declarações de Cavaco configuram a corroboração da "receita" do PSD e do CDS. O candidato socialista afirmou ao PÚBLICO que, "ao defender o alargamento dos cortes ao sector privado, Cavaco Silva repete a receita do PSD e CDS". Alegre, que, em alguns discursos de campanha, não deixou de criticar algumas das medidas de austeridade, aproveitou ainda para reafirmar: "Não é com cortes salariais e congelamento dos rendimentos do trabalho que se consegue responder à crise."

Já de manhã, Alegre tinha reagido às declarações que Cavaco proferira anteontem. Em Penacova, qualificou Cavaco de "demagogo e populista" por este ter lamentado que existe "alguma injustiça" nas reduções dos salários da Função Pública.

E aproveitou para recordar que, quando Cavaco era primeiro-ministro, "disse que tinha um problema com os funcionários públicos" e que "não se deviam reformar porque continuavam a contar para a Caixa Geral de Aposentações e isso depois tinha implicações". Conclusão: "Tinha de esperar que eles morressem. Quem disse o que ele disse quando era primeiro-ministro não pode estar a ser sincero. Está a ser demagogo e populista."

Já Francisco Lopes reagiu em Cuba às declarações de Cavaco. Para o comunista, o discurso do candidato apoiado pelos dois partidos da direita representa "uma atitude de hipocrisia e desresponsabilização daqueles que tomam as medidas, que promovem e avalizam o Orçamento de cortes dos salários, congelamento das pensões, ataque aos serviços públicos e corte dos apoios sociais, e que criam injustiça em relação aos trabalhadores, pobreza e desigualdades sociais".

Há quem ganhe com cortes

O candidato comunista lembrou depois que havia quem ganhasse com os cortes salariais. "Há quem ganhe com este rumo", afirmou, referindo-se aos grandes grupos económicos, que "nunca estiveram tão bem desde o fascismo". E "à custa dos trabalhadores", rematou.

Por sua vez, Fernando Nobre declarou ter ficado "extremamente perplexo com esta declaração" de Presidente em final de mandato. Nobre acrescentou: "O professor Cavaco Silva, segundo ele próprio disse, foi ele que permitiu a aproximação entre os partidos para aprovarem este Orçamento, que ele próprio promulgou. Por isso, fico-me por aqui."

Defensor Moura classificou a atitude de Cavaco como "um sinal de desespero de quem está a ver fugir-lhe o apoio e que, de uma forma hipócrita, recorre aos funcionários públicos". E afirma que Cavaco pretende "fazer esquecer que foi ele próprio a patrocinar o acordo entre o PS e o PDS para a viabilização do Orçamento do Estado" que deu origem agora aos cortes nos salários dos funcionários públicos. Mas Defensor vai mais longe ao dizer que Cavaco deve estar a falar dele próprio quando afirma que "há outros portugueses que não foram tão sacrificados". É que, lembra, "o Presidente recebe três reformas".

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