Glee, um viveiro de Barbies e Kens

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A concentração das nomeações dos Emmys 2010 em três séries mostra como os prémios das indústrias culturais norte-americanas - cinema, TV, teatro - balançam entre o conseguimento artístico e o êxito comercial. As 24 nomeações de Pacific e as 19 de Glee premeiam o êxito nacional e mundial das séries, enquanto as 17 nomeações de Mad Men premeiam também a qualidade estética. Pacific, a que já me referi, é uma série de grande produção e que reúne todos os estereótipos possíveis acerca da guerra, da América e dos seres humanos.

Glee (Fox Life e TVI) tem um carácter incerto quanto ao género: apesar de se apresentar como comédia, é também um melodrama, muito contribuindo a música como alavanca emocional. É uma série juvenil feita com o habitual apuro da indústria americana. E, se ainda acredito na humanidade, deverá ser insuportável para quase todos os adultos. Centrada num grupo musical escolar, mostra adolescentes em aprendizagem humana e querendo ser os melhores. Há umas pessoas más e há as outras todas, que estão sempre aprendendo a ser boazinhas. Quando fazem maldades, arrependem-se - e cantam e dançam canções do repertório pop das últimas décadas, isto é, música de plástico em permanente auto-reciclagem. Várias personagens foram reduzidas à caricatura cómica infantilizada. Não sei dizer se as personagens adolescentes são simplificações da realidade ou se a juventude americana está já hoje, maioritariamente, tipificada naquelas personalidades plastificadas. Eu vejo os miúdos de Glee e acho que serão em adultos os frustrados insatisfeitos de séries do género Irmãos e Irmãs (RTP2).

Como em CSI, os diálogos são propositadamente de banda desenhada, com frases mais curtas do que telegramas. As personagens parecem não se ouvir umas às outras, existindo apenas para si mesmas, o que corresponde ao padrão da epidemia de auto-estima dos jovens americanos: segundo The Narcissism Epidemic, de Jean M. Twenge e W. Keith Campbell, eram 12 por cento os jovens norte-americanos que em 1950 se consideravam "uma pessoa importante"; quatro décadas depois a percentagem subira para 80 por cento. Todos os miúdos de Glee querem o mesmo dos que cantavam na série Fame: "Remember my name. Fame! / I"m gonna live forever / I"m gonna learn how to fly -high!" Eu, eu, eu. Não há nada para além do meu nariz.

Cada geração tem a Fame que merece. Agora é Glee. Esta comédia xaroposa de sucesso foi logo imitada pela série actual de Morangos com Açúcar (TVI), situada numa escola de artes, com ficções de adolescentes aprendendo a vida no universo onírico da música, da dança e do teatro. Cada país tem a Glee que merece.

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