Prédio onde Fernando Pessoa terá sido inquilino em Lisboa vai mesmo desaparecer

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Construtor diz que o estado de degradação impedia a recuperação daniel rocha

Edifício em estilo Arte Nova da Leitaria Alentejana vai dar lugar a um prédio de luxo, com oito andares, para habitação e comércio

Diz-se que terá sido uma das inúmeras moradas de Fernando Pessoa em Lisboa. Será a tal Leitaria Alentejana onde, algures entre 1915 e 1916, o senhor Sengo ofereceu dormida, num quarto exíguo, ao criador do universo dos heterónimos pessoanos, como contou o primeiro biógrafo do poeta, João Gaspar Simões, em Vida e Obra de Fernando Pessoa. É um prédio de gaveto, devoluto, situado junto ao largo de Dona Estefânia, com paredes de tijolos a barrar as antigas entradas. Depois de anos e anos de degradação crescente e de polémicas sobre uma eventual demolição, o edifício de estilo Arte Nova vai mesmo desaparecer, para dar lugar à concretização de um "projecto de luxo com a assinatura da Cáfe".

As obras de demolição começaram há pouco - ontem ainda se montavam andaimes, em torno do edifício - e deverão estar concluídas dentro de um mês, conforme avançou a sociedade de construções Cáfe, proprietária do prédio e responsável pela obra.

Mas nem a fachada será preservada. No lugar do prédio actual surgirá um edifício totalmente novo, de oito andares, que servirá fins de habitação e de comércio, no rés-do-chão. Imitará o estilo do antigo, mas será mais alto, à semelhança dos edifícios contíguos, como explicou um funcionário da Cáfe ligado a este projecto para o número 1 da Avenida Casal Ribeiro que não quis ser identificado. Segundo esta fonte, o prédio onde em tempos funcionou a Leitaria Alentejana chegou a um ponto de degradação tal que se tornou impossível a sua recuperação: "O prédio não tem condições físicas para se manter. Nem sequer a fachada."

A directora da Casa Fernando Pessoa, Inês Pedrosa, admite que, em certos casos, demolir os edifícios poderá ser a melhor solução. "Se está em degradação, se não está assinalado e se não há lá nada para ver, isto não me choca", declarou ao PÚBLICO. "Choca-me mais que os locais onde viveu e trabalhou Pessoa não estejam assinalados." A directora da Casa Fernando Pessoa acrescentou ainda que o facto de ser construído um novo edifício no lugar do antigo não deve impedir que o local seja assinalado como o lugar onde, em tempos, houve outro prédio onde terá vivido, por cima de uma leitaria, Fernando Pessoa.

"Se não se pudesse mexer em cada casa onde viveu Fernando Pessoa, não se podia mexer em muitas casas de Lisboa", advertiu Inês Pedrosa. E explicou que a casa que o poeta português habitou mais tempo está preservada, com o quarto tal qual como ele o deixou e com os seus objectos pessoais. "Mas claro que isto só prova que não estimamos o nosso património", rematou a directora da Casa Fernando Pessoa, referindo-se ao caso da Leitaria Alentejana.

A polémica que envolve este prédio, na esquina entre a Avenida Casal Ribeiro e a Rua Almirante Barroso, arrasta-se há quase uma década. Passaram nove anos desde que o pedido de demolição do edifício deu entrada na Câmara Municipal de Lisboa. Depois de, em 2003, o pedido ter sido recusado, a demolição acabou por ser aprovada pelo município e a casa com o número 1 da Avenida Casal Ribeiro vai mesmo abaixo. Para a Cáfe, o problema dos entraves à destruição do edifício "já está resolvido".

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