Ensinam os gatos

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Todos os desgraçados que escrevem têm na manga uma ideia para ganhar muito dinheiro, se fosse preciso sacrificar a vaidade e os princípios - que acabam por ser a mesma coisa, se formos honestos. As mais desgraçadas destas ideias não são as comerciais e mirabolantes (como os cinemas de Joyce), mas as que se escrevem (como as publicidades de Pessoa e O"Neill). Também tenho uma. Chamar-se-ia Learning From Cats e defenderia a tese que, caso seguíssemos o exemplo dos gatos, seríamos tão infelizes e neuróticos como somos hoje, mas com muito, muito mais tempo para dormir.

O que espanta num gato é a maneira como combina a neurose, a desconfiança e o medo - para não falar numa ausência total de sentido de humor - com o talento para procurar e apreciar o conforto e, sobretudo, a capacidade para dormir 20 em cada 24 horas, sem a ajuda de benzodiazepinas. O gato é neurótico, mas brinca. Brinca com seriedade, mas brinca. Tem acessos, muito curtos, de loucura, em que se embandeira em saltinhos oblíquos. Mas, acima de tudo, descobriu o sistema binário da existência. Que é: dormir faz fome. Comer faz sono. Acordo porque tenho fome. Adormeço porque comi. Nos intervalos, faço as necessidades. Podem ser secundárias (cagar, amar, mijar, brincar, ansiar), mas são verdadeiramente necessárias. Se não tem sono, é porque tem fome. Se não tem fome, é porque tem sono. Se não tem uma coisa ou outra, é porque tem de fazer as necessidades.

É ou não uma lição de vida? Sim; é.

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