Sonhos e poemas

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"Dream Play I" é uma leitura livre de "Um Sonho", de Strindberg, com poemas de Whitman, Al Berto e Buñuel à solta.

Escrita em 1901, a peça "Um Sonho", do escritor sueco August Strindberg (1849-1912), foi estreada seis anos depois, em Abril de 1907, num palco de Estocolmo. A Europa vivia então tempos de prosperidade e paz (que seriam desfeitos com o eclodir da Grande Guerra) e também as artes assistiam a ventos de mudança.

Strindberg, que no romper do século XX já abandonara o naturalismo das suas primeiras obras (novelas e teatro), deu a "Um Sonho" o estatuto de peça precursora do expressionismo dramático, com piscadelas de olho ao surrealismo. Aquilo que a obra propõe é a transformação do palco num espelho, no qual a plateia pode ver-se reflectida. O gancho é o sonho de um jovem criador (Strindberg, neste caso) que, no seu teatro, vê Inês, filha do deus Indra, descer ao plano terrestre para testemunhar a vivência humana - cerca de 40 personagens cruzam-se com ela; Inês experimenta os sentimentos humanos e, cheia de compaixão pelos homens, abandona a Terra. "Um Sonho" é isto, muito resumidamente.

Para quem anda em busca do seu "próprio caminho", talvez esta obra de Strindberg dê alguma ajuda. É nisso que acredita Martim Pedroso, que não é só o encenador de "Dream Play", mas também o autor desta peça que mescla a história de "Um Sonho" com poemas de Pasolini, Buñuel, Whitman, Holderlin e Al Berto. O resultado desta aparente estranha mistura é "Dream Play I", a primeira parte de um tríptico sobre o universo onírico, cuja ante-estreia está marcada para esta noite, na Black Box do Espaço do Tempo (no Convento da Saudação, em Montemor-o-Novo), a partir das 21h30. A estreia propriamente dita acontece dia 16, na Zé dos Bois, em Lisboa.

As restantes fases desta criação também já têm datas agendadas: de 21 a 25 de Janeiro, na Galeria Appleton Square, em Lisboa, "Dream Play" prossegue com um trabalho "plástico e sonoro", diz Martim, que é uma espécie de memória descritiva da abertura do tríptico; e em Março, de 3 a 8, o cinema São Jorge, também na capital, acolhe a projecção de um documentário que regista tudo aquilo que envolveu o nascimento deste projecto.

Por agora, interessa-nos a primeira parte de "Dream Play"  - uma peça protagonizada por nove actores que se multiplicam em dezenas de personagens, dançam, cantam, jogam xadrez, apanham banhos de sol, têm acidentes de carro, seduzem e são seduzidos.

Numa praia (a da vergonha e a bela-praia, referências strindbergianas), que, nota Martim Pedroso, é "um purgatório aburguesado" decorado com um poster de um hotel rodeado de palmeiras e com cadeiras e mesas de plástico, os actores são os sonhadores convocados para um jogo sobre o teatro, a ficção, o sonho e a interpretação.

Entre os acontecimentos sonhados que surgem em palco, estão também as "viagens" nocturnas dos próprios actores e do encenador. O primeiro a fazer o "levantamento" dos seus sonhos foi Martim Pedroso - "mal acordava, escrevia aquilo que me lembrava." Ao fim de "vinte e tal sonhos" deu por findo o seu trabalho de pesquisa. "Não tentei decifrá-los. Interessava-me mais a ideia visual do sonho e como ele se podia transformar em outro." Depois propôs a mesma tarefa aos restantes actores. E chegou a uma conclusão: "Em comum, havia o expressionismo, a metamorfose", que foram depois "traduzidos" para o palco. E que remetem também para um certo caos, uma "opção estética" que pretende "dar a ideia do cruzamento entre o plano dos sonhos e o plano do teatro". 

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