Ensinar a valorizar a diferença

"Deus criou-vos de uma alma apenas." A unidade na diversidade está assente neste princípio: uma alma apenas

Estive há dias hospedada em casa de uns amigos israelitas que vivem em Cambridge, no Reino Unido. Os filhos nasceram aí e vão de vez em quando a Israel. No quarto onde dormia havia vários livros para crianças, uns em hebraico, outros em inglês. Houve um, em particular, que me chamou a atenção. Falava de Israel e da história de retorno do povo judaico à terra prometida e falava, curiosamente, das várias tradições, línguas e cores que caracterizam este povo plural, que vem e vai, dos mais distantes pontos da Terra. Mais do que a mensagem de que há um bocado de terra que é sagrado para os judeus, o livro parecia transmitir um sentimento de grande unidade num povo multicultural, numa grande nação plural e diversa com uma pátria de fé chamada Israel. Se o Estado de Israel como existe neste momento é fruto da mito-história judaica, ou um produto da culpa do Ocidente pelos erros do Holocausto, não importa aqui discutir. O que achei interessante reter daquele livro era a sua mensagem de unidade na diversidade, porque a sua singularidade resultava de uma combinação e valorização da riqueza humana e intelectual de um povo de diáspora milenar.A partir daqui pensei que devemos transformar o nosso discurso moderno sobre as relações sociais. Devemos deixar de usar a palavra "discriminação" e passar a falar sempre de "valorizar a diferença". A primeira pressupõe o trabalho de combater uma coisa má, mesmo quando a rejeitamos; a segunda, mais progressista e humanista, implica a construção de uma unidade que só tem a ganhar com a pluralidade.
O assunto não pode ser esquecido apesar da actualidade de grande conturbação. A globalização da crise financeira, as mudanças em superpotências económicas e a preocupação social em não saber se e quando se perderá tudo o que ainda faltava ganhar tornam difícil manter a esperança. Temos mais medo. Principalmente do Outro, de quem conhecemos muito pouco, ou nada. Os chineses, os indianos, os imigrantes - que alguns pensam estarem intimamente associados ao fenómeno da criminalidade crescente; o muçulmano - que se é rico, é porque anda a fazer o que não deve, e se é pobre, é investigado na Mouraria; ou de Obama - que pode ser um islamista disfarçado (ainda não perceberam que há por aí "cristianistas" também a fazer as maiores barbaridades em nome de Deus!); ou doutras minorias que caracterizam boa parte da sociedade europeia e que chegaram, na generalidade, não para roubar, mas para trabalhar e dinamizar esta nossa miserável economia e política que sobrevive de subsídios, corrupção e clientelismos.
O Outro, o que é diferente, não tem de ser o eterno demónio que rejeitamos e queremos eliminar a todo o custo. Do Alcorão, retiramos a mensagem mais universal e humanista para a conduta humana: aí, Deus diz: "Oh Humanidade! Deus criou-vos de uma alma apenas (...)." A unidade na diversidade está assente neste principio fundamental: uma alma apenas. "E dela criou uma multitude de homens e mulheres, tribos e nações, para que nos conhecêssemos uns aos outros". A beleza e a riqueza da humanidade está não só na diferença, mas no reconhecimento dessa diferença para a capacitação social, política e económica.
O problema na rejeição de sociedades pluralistas reflecte-se na forma como as crianças e os adolescentes lidam com o outro e projetam os seus medos e ansiedades. Procedem como os adultos - demonizam o que não conhecem; ridicularizam o diferente. O riso sobre o outro não é mais que o riso da sua própria ignorância. O problema é que o "demónio" acaba mesmo por se construir, na rebelião e na revolta; na transgressão de regras. Afinal, ele tem de re-apresentar uma identidade na sociedade que o rejeitou, e ele nem sabe bem porquê.
A rejeição da diferença pode transformar-se em bullying. É em casa que se aprende primeiro a discriminar; sobretudo, a não saber integrar a diferença. O bullying é defeito trazido de casa. Cabe, por isso, aos pais ensinar o valor da diferença.
A escola também tem um papel muito importante: ela pode ensinar as crianças a dizer a si mesmas e aos pais, como é feio e desumano desvalorizar o próximo. E o mal que isso pode trazer ao mundo. O Holocausto não foi assim há tanto tempo; foi quando uns quantos avós inventaram o demónio. A escola pode cultivar o sentido da unidade e da coesão humana a partir de muito tenra idade. Pode começar por falar às crianças do corpo humano e recordar que nenhum dos seus membros e órgãos são iguais; isolados, o desempenho é difícil; em unidade saudável, podem ganhar maratonas de vida inacreditáveis. Estudiosa de temas islâmicos

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