Torne-se perito

As estradas mataram o comboio no Douro

O último acidente na Linha do Tua voltou a focar as atenções sobre as velhas vias-férreas do Douro. Entre 1988 e 1991 fecharam várias linhas. A prioridade agora é salvar a linha-mãe

a A Linha do Sabor, que ligava o Pocinho a Duas Igrejas, em Miranda do Douro, demorou 30 anos a construir. Mas os governantes que, depois da Revolução de Abril de 1974, tiveram a pasta ferroviária, em especial nos executivos liderados por Cavaco Silva, não precisaram de tanto tempo para acabar com aquela linha e encerrar os troços da Linha do Douro entre o Pocinho e Barca de Alva, da Linha do Tua entre Mirandela e Bragança, da Linha do Corgo entre Vila Real e Chaves e da Linha do Tâmega entre Amarante e Arco de Baúlhe. Em menos de três décadas, colocaram fim a um património formidável que levou muitas mais a construir e que custou a vida a muitos trabalhadores. Todas estas linhas foram criadas para servir as populações mais isoladas do interior-norte e para permitir o escoamento de alguns produtos da região, como aconteceu com a Linha do Sabor, principal meio de transporte do minério da serra do Reboredo, em Moncorvo.
A desertificação do interior, com a fuga dos mais novos para o litoral e os tradicionais destinos de emigração, o desinvestimento da tutela nas linhas e no material circulante e a ditadura contabilística precipitaram o fim do comboio de via estreita em grande parte das linhas secundárias do Douro, deixando muitas povoações ainda mais isoladas e abrindo caminho ao incremento da rodovia e das empresas de camionagem.
Ao abandono
É verdade que os troços encerrados não eram rentáveis, como não o são os metros de Lisboa ou do Porto, por exemplo. Mas, para muitas populações, o comboio era o único meio de ligação que tinham, e nem mesmo a abertura de novas estradas acabou totalmente com esse isolamento. O mais grave é que o encerramento das linhas deixou os carris a saque e inúmeras estações, algumas de grande beleza, ao abandono.
Algumas estações passaram para a posse das autarquias, que as adaptaram a outros fins. Mas o grosso desse património continua abandonado e algum já não tem qualquer possibilidade de recuperação. Inúmeros apeadeiros e pequenas estações são hoje autênticos montes de escombros.
No início desta década, o então presidente da Refer, Mário Frasquilho, ainda chegou a afirmar que a empresa estava a "pensar nas diversas alternativas possíveis para utilizar ao máximo o património, nomeadamente através do turismo". E até encomendou um estudo à Spidouro - Sociedade de Promoção do Investimento no Douro, extensivo ao troço desactivado da Linha do Douro e às linhas do Sabor, Corgo, Tua e Tâmega, com o sugestivo nome de "Relançamento dos Patrimónios Ferroviários".
Comboios de há 30 anos
Frasquilho achava que naquelas linhas havia "instalações com dimensão para poderem ser transformadas em centros turísticos". "O que não é aceitável", acrescentou, "é continuar a permitir que o património fique ao abandono e a degradar-se, quando há soluções exequíveis que beneficiam as populações das zonas por onde outrora passou o comboio".
O estudo foi feito, o comboio a vapor para turistas foi recuperado, mas nada mais avançou. Mesmo a Linha do Douro continua a ser servida pelos mesmos comboios de há 30 anos, apesar do aumento do turismo na região.
Hoje, face à nova realidade rodoviária, não há ninguém de bom senso que reclame a reabertura dos troços de via estreita já encerrados. Mas já há unanimidade quanto à Linha do Douro. "Devia ser a via rápida do Douro. É a coluna vertebral da região. Está mesmo no coração do Douro e liga ao centro do Porto. Está a ver o que era ir do Pocinho ao Porto em duas, duas horas e meia?", diz Aires Ferreira, o presidente da Câmara de Torre de Moncorvo.
Actualmente, os 172 quilómetros que separam o Pocinho de São Bento, no Porto, demoram três horas a percorrer de comboio. A viagem de carro demora menos 30 minutos. Mas o autarca - defensor igualmente da reactivação do troço entre o Pocinho e Barca de Alva - acha que não seria difícil reduzir o tempo do comboio, de modo a torná-lo competitivo.

Sugerir correcção