Entrevista a Naide Gomes: “A pressão não é um fardo, é um estímulo muito grande”

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Naide Gomes é campeã mundial de salto em comprimento, em pista coberta Phil Nobel/Reuters

Um salto de sete metros ofuscou tudo. Foi o salto que lhe deu o título de campeã do mundo em pista coberta, fazendo dela, uma vez mais, figura de primeiro plano do desporto português. O que Naide Gomes viveu em Valência é uma parte da entrevista. As outras são o lado humano da atleta de 28 anos, as ambições para Pequim e a sua visão sobre a possibilidade de um boicote internacional aos Jogos Olímpicos, por causa das violações dos direitos humanos no Tibete. Mulher de convicções fortes e sorriso franco, Naide respondeu a tudo com o mesmo brilho com que arrebatou o ouro, há duas semanas.

PÚBLICO – Como explicaria os sete metros de Valência a quem está fora do atletismo?
NAIDE GOMES –

Para uma pessoa comum, no máximo da sua velocidade, não é fácil saltar cinco. Os sete exigem paixão, capacidades genéticas intrínsecas, motivação e disciplina, que tenho vindo a aperfeiçoar com o meu treinador e as outras pessoas que estão ligadas ao meu trabalho: massagista, fisioterapeutas, médicos, biomecânicos. Não me esqueço de ninguém.

Tem ideia de quantas atletas superaram a fasquia dos sete metros nos últimos anos?

Desde 2002 foram umas cinco, mais ou menos. Fiz sete metros nos Mundiais indoor, mas já tinha feito 7.01 ao ar livre. No ano passado, o meu sonho era ultrapassar essa fasquia e consegui.

Os sete metros chegam para vencer nos Jogos Olímpicos?

Se consegui sete metros em pista coberta, posso prever que, com mais trabalho, novos acertos na evolução da corrida e na colocação das cargas no momento do salto, vou melhorar. Sete metros não devem chegar.

Em que medida é que os Mundiais de Valência poderão ser uma amostra dos Jogos?

Se o nível de exigência é grande, nos Jogos será muito maior. Os Jogos Olímpicos são a festa dos atletas, a festa dos povos todos. A concorrência vai ser mais forte para corresponder à grandeza da prova.

Quais são as adversárias mais temíveis?

Há umas sete ou oito capazes de lutar pelas medalhas. Costumo consultar os rankings, quando nos encontramos em competição estou sempre a par das prestações que fizeram até ali. Medo nenhuma me mete.

As russas são as mais fortes?

Das russas espera-se sempre uma grande capacidade de superação, claro. A brasileira [Maurren Maggi] também vai apresentar-se muito bem, está motivada. Temos ainda a australiana [Bronwyn Thompson], que não saltou em competições este ano, e a africana [Karin Mey]… Depois é a portuguesa que vai estar em grande forma [risos]. Elas não vão para brincar e eu também não. Podem contar que vou vender cara a vitória. Lutarei até ao fim, porque sei que tenho condições para chegar aonde quero.

Os estudos biomecânicos efectuados pela Universidade do Porto reforçam essa segurança que tem quanto ao seu potencial?

Os dados recolhidos pela equipa de biomecânica do professor Paulo Colaço e do professor Filipe têm sido uma ajuda preciosa. São muitas filmagens, medições precisas da minha velocidade e de outros pormenores biomecânicos que interferem no meu desempenho. Ajudam a detectar situações que a olho nu nem eu nem o meu treinador veríamos no treino. Já me ajudaram, por exemplo, a corrigir a aceleração, alguns aspectos na aproximação à tábua de chamada, nomeadamente ao nível do pé. E vão continuar a ajudar. A conclusão principal, até agora, foi que o melhor está para vir. Que seja em Pequim.

Agora que é número um em pista coberta, e elogiada pelos especialistas maiores do salto em comprimento, como é que gere as responsabilidades?

É bom saber que estão de olho em mim. A pressão não é um fardo, é um estímulo grande para descobrir todas as minhas dimensões como atleta. Como disse, conto evoluir muito nos meses que faltam para os Jogos. Quero ficar mais rápida, mais solta, mais rigorosa na aproximação à tábua de chamada. Na época do Verão, vão surgir marcas melhores que as de Valência e eu espero estar nesse núcleo. A minha ideia é chegar aos Jogos entre as grandes favoritas, cheiinha de pressão.

Tem uma marca concreta para atingir no Verão?

Se ganhasse mais um centímetro, chegando aos 7,02 metros, já seria recorde nacional [risos]. Obviamente que pretendo saltar muito mais daqui para a frente. Sobretudo em Pequim. Entrar em promessas de marcas é sujeitar-me a críticas no caso de não as cumprir. As palavras não ganham; o trabalho árduo pode ganhar.

Há jogo psicológico entre saltadoras?

A regra é a camaradagem. Quando há algum jogo, não resulta comigo. Mesmo que elas façam má cara ou se ponham no meio da pista, como aconteceu no aquecimento em Valência, não me deixo influenciar. Estou lá para dar o meu melhor, não me deixo intimidar por ninguém. Consigo abstrair-me de quase tudo.

Alguém lhe disse na véspera que o ouro seria seu?

Muita gente do nosso grupo. Houve uma que acertou na marca e tudo. Foi a responsável da Adidas, que me patrocina. Dois dias antes, disse que o filho dela fazia sete meses no domingo e eu ia saltar exactamente sete metros. Na hora ri-me, disse-lhe para ter calma, pois ainda faltava passar a eliminatória. Mas aquilo ficou a matutar-me na cabeça. No fundo, sabia que ia mesmo ganhar [risos].

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