Bisavó de 95 anos é a blogger mais velha do mundo

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Maria Amélia tem 95 anos Miguel Vidal/Reuters

As amigas da sua idade “não sabem nada da Internet”. E “há algumas que me criticam por querer saber tanto, por comunicar com tanta gente. São um pouco antigas”. É que María Amelia López é, nas suas palavras, “uma avó moderna”.

Desde Dezembro passado actualiza regularmente o blogue amis95.blogspot.com, uma prenda de aniversário do neto, Daniel, com quem vive e que lhe dá o apoio técnico de que precisa para alimentar a sua página. Tudo porque a avó, uma consumidora ávida de biografias com o clássico cabelo azulado das idosas da Península Ibérica, o via constantemente ao computador a trabalhar ou a divertir-se. “Ele ia ver coisas à Internet e comecei a perceber o que era, que se pode aprender idiomas, por exemplo, sem professor”.

Como lhe perguntava por histórias de pessoas conhecidas, “ele disse-me que se podem descarregar biografias na Internet”. Começou a aproximar-se do computador, mesmo sem conseguir teclar devido aos problemas ósseos nos dedos e à vista que lhe falta (é o neto que redige o que aparece no blogue, tal e qual o ditado pela avó), e nascia uma paixão. “Comecei a entusiasmar-me e tornou-se um vício terrível”, diz, bem-disposta, ao telefone a partir da Galiza, onde mora.

O blogue de María Amelia López é similar a muitos outros. Nele espelha quem é, as viagens que faz e, muitas vezes, as saudades que tem dos netos, a quem se dirige regularmente no início dos posts. Faz da página um diário, mas também um espaço de invectivas. “Volto a repetir às idosas... Não durmam! Peguem na Internet! Contem as vossas vidinhas, as suas coisas”, escreveu em Setembro. As amigas que não a compreendem não percebem o que é a Internet, essa rede abstracta que se constrói entre computadores com ajuda de linhas telefónicas, bandas largas e monitores, que permite abrir páginas onde há conteúdos de todo o tipo e em todas as línguas. “As avós não sabem o que é porque não lhes explicam bem. Se o neto ou o filho ou um irmão mais novo lhe explicarem o que é a Internet, veriam como as idosas se meteriam na Internet. Porque estariam muito entretidas”, postou.

Di-lo por experiência própria. É que o blogue amis95 já é planetário e, com ele, María Amélia também. Já partilhou lágrimas com um chileno que lhe escreve, já mostrou (e fotografou) a sua emoção ao conhecer a bisneta, recebe muitos comentários de Portugal – país que diz conhecer “todo”, depois de uma viagem feita com o marido a bordo de um Fiat 600 –, já lhe chamaram avó desde o Brasil. “Sou mundial, de todos os cinco continentes”, diz, orgulhosa da sua fama.

Nascida em Muxía, na Galiza, em 1911, viveu a Guerra Civil espanhola, o franquismo, e assistiu à distância a duas guerras mundiais. É uma socialista, uma defensora dos trabalhadores, uma amante das notícias. E espontânea perante o acto de escrever para a Internet. “Não me preparo, no momento o que me sai é o que digo. E saem-me mil coisas. O meu neto põe tudo o que lhe digo, às vezes ri-se”.

Na Internet, e graças ao rato que a leva de site em site, lê sempre o El País e o La Voz de Galicia, dois jornais de referência espanhóis, mas com as letras aumentadas para as conseguir ver. “Blogues não leio, a não ser que lá vá parar por acaso”, à mercê das flutuações do rato. Como proselitista da actividade dos mais velhos, escreve sobre isso, mas também se reserva tempo para descansar. Ouve rádio, vê televisão (embora às vezes se irrite com o que vê), sai com o neto. “Gosto de fazer coisas pela casa, mas não me deixam”, resigna-se.

De esquerda, não filiada

Um dos temas que lhe é caro é a defesa dos direitos dos trabalhadores e do socialismo. Sente-se e define-se como uma mulher de esquerda desde os 16 anos. “Lia os jornais e perguntava ao meu pai: como é possível viver com duas pesetas? O meu pai, que era de esquerda, mas não era socialista, dava-me razão”. Na sua terra havia apenas quatro socialistas e hoje María Amélia acredita ser “a socialista mais antiga de Espanha”, mas vinca que nunca pertenceu a um partido. “O meu pai disse-me “nunca te associes, nunca te filies”, porque mataram tantas pessoas durante o franquismo”. Diz não ter aversão à militância partidária, mas vai cumprir a promessa feita ao pai

“Fui multada e perseguida por ser socialista durante a Guerra Civil. Esses tempos foram maus, porque mataram muitos amigos meus. Essas coisas não quero recordar”, diz, em jeito de remate a uma história que começa muitas vezes, mas que não consegue terminar. Mesmo no blogue, onde evoca frequentemente o tema.

Admira o primeiro-ministro espanhol mas não fica ufana por ter recebido uma carta em que Zapatero lhe dizia que era “uma coisa bela uma velha interessar-se assim pelo país”, evoca. Também lhe escreveram autarcas, que lhe fizeram homenagens nas suas câmaras da Galiza, poetas e escritores. E agora até está nos dez finalistas do concurso Best of Blogs (BOBs) da televisão alemã Deutsche Welle, na categoria de blogues em língua espanhola. Mas, frisa, também lhe escreveram trabalhadores. “O que me motivou mais foram dez operários de Mérida que me escreveram a felicitar-me”.

Falar da morte

Quanto ao concurso, está a meio da tabela nas votações, mas já “é um orgulho estar nos dez finalistas. E se ganhar o prémio, será um bom passeio”. O blogue de María Amelia López já foi visitado mais de 450 mil vezes e não é raro ter mais de 70 comentários a cada post. A surpresa e o carinho são os principais recheios dos comentários, subscritos por pessoas de todo o mundo, sobretudo da América Latina, que alegram com a vitalidade da avó da Internet.

“Não tenho nada para ter tanta atenção, sou uma mulher corrente, mas acho que gostam da minha franqueza e desta disposição que tenho na minha idade”.

Mas se há coisa que não lhe escapa é a proximidade de um fim. Não se esconde atrás das palavras para falar sobre a morte, nem ao telefone, nem na Internet. Elogiar-lhe a longevidade é abrir a caixa de Pandora. Na verdade, explica, “é bom e mau” chegar a tão provecta idade. “Vai-se perdendo a vista, o ouvido, doem as pernas, chegam as artroses”, enumera. “A velhice é pura doença”. Mas, por outro lado, tem cada vez mais amigos em todo o mundo. “Tenho 95 anos e tantos amigos, e agora é que vou morrer”, assinala, com ironia e, ao mesmo tempo, com desprendimento.

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