A nossa melhor juventude tem este nome: Sonic Youth

Não foi o melhor Paredes de Coura de sempre, mas foi a melhor noite deste Paredes de Coura. Entre Electrelane, Peter, Bjorn and John e Cansei de Ser Sexy veio o público (muito público) e escolheu: os Sonic Youth serão sempre os Sonic Youth.

Os Linda Martini citam os Sonic Youth. As Electrelane citam os Sonic Youth. Os Sunshine Underground citam os Sonic Youth. Os Peter, Bjorn and John citam os Sonic Youth. As Cansei de Ser Sexy citam os Sonic Youth (anteontem à noite, em Paredes de Coura, saíram do palco a gritar o nome deles). É impossível não citar os Sonic Youth quando se fala da história da música moderna. Também vai passar a ser impossível não citar os Sonic Youth quando se fala da história de Paredes de Coura, e Paredes de Coura foi ontem: eles podiam ser históricos, mas preferem continuar vivos.A chuva, os New York Dolls, as filas na Pizza Hut, 72 horas, 17 concertos (e isto é para nos ficarmos pelo palco principal): foi preciso sobreviver a tudo para chegar com vida aos Sonic Youth. O último concerto do festival costuma ser a altura em que as pessoas começam a ir embora: este ano foi o dia em que as pessoas começaram a chegar. Já tinham começado a chegar à tarde para ver o rock sonicyouthizado dos portugueses Linda Martini e continuaram a chegar até serem mesmo muitas (continuamos a não saber quantas), mais do que alguma vez nesta edição do festival (é uma verdade inconveniente: também ainda não se tinha justificado).
Os Linda Martini foram os primeiros (bonito: muita gente a saber Combate de cor e uma banda que ainda há dois anos estava sentada na relva em Paredes de Coura a sonhar com o palco principal e que agora está no palco principal), mas aconteceram muitas coisas até acontecerem os Sonic Youth. Muitas coisas, mas não demasiado importantes: foi como se fôssemos de réplica em réplica até ao acontecimento final (banda sob a influência dos Sonic Youth atrás de banda sob a influência dos Sonic Youth e depois os Sonic Youth verdadeiros). Aconteceram coisas que nunca tinham acontecido cá (a primeira vez é quase sempre em Paredes de Coura): o rock sem patetices mas às vezes sexy das Electrelane (os Dinossaur Jr. também fizeram uma versão insólita de Just like heaven dos Cure, mas sexy, sexy foi a versão das Electrelane para essa canção descomunal que é o I"m on fire do Bruce Springsteen), o rock muito em pose e muito em euforia, às vezes construtiva às vezes destrutiva, dos Sunshine Underground (mas sim, temos animal de palco, apesar daquele vício das inflexões de voz no fim de cada frase), e 12 canções pop perfeitas.
Peter, Bjorn and... Nino
Confirma-se que dissemos perfeitas: os Benny, Bjorn and John, perdão, Peter, Bjorn and John (não queríamos falar dos Abba, mas era irresistível, com aquela nacionalidade e com aqueles cabelos), perdão, Peter, Bjorn and Nino (John, o baterista, tem um trabalho a sério e não conseguiu meter férias), foram o segundo maior acontecimento da noite a seguir aos Sonic Youth. Houve poucos alinhamentos assim tão inteligentes no festival: eles foram inteligentes ao ponto de começar com Let"s call it off, uma fabulosa ficção downbeat que implode mais do que explode, inteligentes ao ponto de não deixar Young folks para o fim (era giro sabermos quantas pessoas estiveram lá a assobiar mas pronto, não vamos bater no ceguinho) e ao ponto de fazer de Objects of my affection, e não de Young Folks como teria sido mais fácil, o objectivo-lua do concerto. "Tocamos sempre esta canção, mas nunca a tocamos tão bem como vamos tocar aqui", disse Peter (ou Bjorn). Não vimos das outras vezes mas aqui, com aquele strobe monumental, pareceu de facto impossível de superar (é claro que para os Sonic Youth não há impossíveis, mas ainda não chegámos aos Sonic Youth).
Chegámos às Cansei de Ser Sexy: alala, alala, balões, confetti, bolas de sabão, artigos de festa. Era o que o concerto delas podia ter sido - e, em parte, é o que o concerto delas foi - se não houvesse tanta gente com a cabeça noutro lado, e se tivesse havido um encore, ou qualquer outra demonstração de que elas estavam ali para ficar. Ficaram o tempo de tocar aquilo que toda a gente queria ouvir (Alala, Fuck off is not the only thing you have to show, Off the hook e Let"s make love and listen to Death from Above) e a versão que já toda a gente sabe que elas tocam (Pretend we"re dead, das L7), fizeram umas piadas com o vinho do Porto e o bacalhau, trocaram a Paris de Meeting Paris Hilton pelo Porto, cantaram (imitando o nosso sotaque, grrrr, Uma casa portuguesa), trataram o público por "gente, galerinha", e o que é que podiam fazer mais? Mesmo isto, é Lovefoxx que faz tudo.
É provável que tivéssemos ficado a pensar outra coisa das Cansei de Ser Sexy se a seguir não tivessem aparecido os Sonic Youth. Perante o tamanho deles - o tamanho real de Thurston Moore e o tamanho simbólico de Kim Gordon e de Lee Ranaldo -, muita coisa parece fútil, incluindo a música das Cansei de Ser Sexy. Eles apareceram, portanto, e não houve desnível nenhum entre as músicas de agora (do último álbum, Rather Ripped, tocaram Incinerate, Reena, Do you believe in rapture?, Turquoise boy, What a waste, Rats e Sleeping around, pelo menos) e as músicas da melhor juventude deles (Hei Joni, de Daydream Nation, 100% e Bull in the heather, de Dirty, e Shaking hell, de Confusion is Sex), que por acaso também é a melhor juventude de quem foi a Paredes de Coura para vê-los. Houve uma altura em que eles se fixaram naquela clássica imagem mental (uma das) que temos dos Sonic Youth: Lee Ranaldo no microfone, Thurston Moore na guitarra, de costas para nós, e Kim com o baixo apoiado na coxa. É incrível que isso, a imagem definitiva dos Sonic Youth, tenha acontecido com uma canção de 2006. Ou então não é incrível. As Cansei de Ser Sexy são mesmo giras - e os Peter, Bjorn and John também - mas não vão durar para sempre. Eles vão durar a vida toda. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, teremos sempre os Sonic Youth.

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