O cinema português em cinco capítulos, por Margarida Cardoso

Realizadora de A Costa dos Murmúrios é a comissária do oitavo ciclo Quatro+1, que hoje começa no Rivoli

Vale como uma história alternativa do cinema português, mas vale sobretudo como uma história do cinema de Margarida Cardoso: o oitavo ciclo Quatro+1, que hoje se inicia no Rivoli, é uma visita guiada a uma zona de ninguém da produção portuguesa que começa em 1995 com Pedro Costa, e termina dez anos depois com Sílvia Firmino, como se antes disso o cinema português nunca tivesse existido. Para a realizadora de A Costa dos Murmúrios, existiu, mas não contou: "Há uma explicação para o facto de eu ter omitido tantas coisas - sinto-me muito pouco filiada no cinema português e optei por escolher filmes de um período que corresponde à minha formação enquanto cineasta. Foi a partir de meados da década de 90 que comecei a trabalhar para mim e estes filmes foram inspirações muito grandes", explicou ao PÚBLICO a oitava realizadora convidada pela Culturporto a programar uma semana de cinema português, depois de João Mário Grilo, Fernando Lopes, Manoel de Oliveira e João Canijo, entre outros.
Há uma explicação geracional, portanto, para Margarida Cardoso ter passado por cima de um século de cinema português e ter-se concentrado em ficções recentes como Casa de Lava, de Pedro Costa (1995), Os Mutantes, de Teresa Villaverde (1998), e O Fantasma, de João Paulo Rodrigues (2000), que passam, respectivamente, hoje, amanhã e depois no Rivoli. E há uma explicação pessoal para a inclusão de dois documentários, Gosto de Ti Como És, de Sílvia Firmino (2005), e O Fato Completo ou À Procura de Alberto, de Inês de Medeiros (2001), que compõem o programa de quinta-feira: Margarida Cardoso vem do cinema documental (A Costa dos Murmúrios foi a sua primeira incursão na ficção) e achou que "tinha a obrigação" de inserir o formato na lista dos filmes sem os quais o seu cinema não seria o mesmo.
Outras razões pessoais: O Fato Completo tem uma Isabel de Castro "a fazer dela própria" e Margarida Cardoso já tem saudades da actriz, até porque esse foi o filme em que esteve mais perto dela, como assistente de realização de Inês de Medeiros.
Os cinco capítulos do ciclo Quatro+1: A Escolha de Margarida Cardoso funcionam, portanto ,como uma introdução à cinematografia da realizadora - como etapas da sua formação como cineasta. "Sinto-me muito mais próxima desta geração do cinema português do que das gerações anteriores. Há coisas que os meus filmes têm em comum com estes ao nível do tratamento dos espaços. Mas não é só isso: estes filmes não são portugueses nem chineses. Parece que existem fora de um meio que às vezes parece muito claustrofóbico em termos de referências e filiações."
Foram todos primeiras escolhas, excepto Casa de Lava: Margarida Cardoso teria preferido outro filme de Pedro Costa, No Quarto de Vanda, exibido numa edição anterior do ciclo. Em vez desse, está outro filme com uma personagem feminina marcante, como são todos os que escolheu para este ciclo (inclusivamente o seu): "Para mim, são estas as personagens mais marcantes do cinema português. Aliás, as personagens mais fortes do cinema português, agora que penso nisso, são sobretudo mulheres. E essas figuras influenciaram-me muito quando estava a fazer A Costa dos Murmúrios, que é um filme absolutamente centrado numa personagem feminina", diz. Esteve para não encerrar a sua semana de cinema português com esse filme, mas acabou por concluir que era a escolha "mais sincera": "É aí que o meu percurso se condensa todo - e também é o filme com que estou mais à vontade."

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