O "blackout" nasceu como "silenzio stampa"

Tudo começou no Mundial de 1982. Os clubes italianos são especialistas, os ingleses selectivos e os espanhóis não praticantes. Por cá, o FC Porto é o principal utente

Sir Alex Ferguson nunca põe os pés no programa desportivo da BBC "Match of the Day", Fabio Capello não responde a perguntas colocadas pelo programa "Stadio Sprint", Gary Megson, treinador do Nottingham Forest, escreve a giz o nome dos jornalistas "prevaricadores" e pendura o quadro no balneário, a Juventus proibiu Luciano Bertolani, jornalista do Corriere dello Sport, de viajar com a equipa, José Mourinho impediu os seus jogadores de falar no final do Barcelona-Chelsea. Poderá dizer-se que o Mundial de 1982 e a campeã Itália estiveram na origem histórica de uma das mais controversas estratégias futebolísticas: o "blackout". Na SuperLiga, o FC Porto apresenta-se como um dos mais aplicados discípulos.

Nacido em ItáliaO "blackout" nasceu na forma de "silenzio stampa". Aconteceu em plena aventura italiana no Mundial de 1982, reveladas as limitações da selecção de Enzo Bearzot, responsável por três empates num grupo (Polónia, Peru e Camarões) aparentemente sem armadilhas. A Itália de Dino Zoff e Paolo Rossi ultrapassou a fase de grupos graças à máquina de calcular - e a um empate com os Camarões que a imprensa acredita ter sido combinado -, os jornais registaram a campanha "miserável" da "squadra azzurra" e as relações profissionais entre jogadores e jornalistas azedaram (chegaram a ganhar forma rumores da relação homossexual de Antonio Cabrini e Paolo Rossi), tendo Federico Sordillo, então presidente da Federação Italiana, tomado uma decisão sem precedentes: "blackout" informativo (aparecia apenas Dino Zoff, o capitão monossilábico), estratégia que rapidamente se transformou numa espécie de amuleto da selecção italiana, que só falou sem restrições com o troféu na mão.
"O silêncio não marca golos, não traz a vitória", comentou ao PÚBLICO Massimo Basile, jornalista do "Corriere dello Sport". Mas há quem pense que dá uma ajuda. Para o FC Porto, o "blackout" (tradução livre: lei da rolha) funciona como uma espécie de íman que une o grupo de trabalho, como uma vitamina que afasta as viroses e gera anticorpos - um pouco há semelhança do que aconteceu com a selecção de Bearzot. "Blackout" por notícias "filhas de pai incógnito" (expressão que Pinto da Costa usa para nomear notícias sem assinatura), "blackout" por desacordo com um órgão de comunicação social (o cartão vermelho à estação televisiva SIC e o desentendimento com o diário desportivo "Record", que dura desde Setembro de 2001, são os exemplos mais flagrantes de um "blackout" parcial), "blackout" em solidariedade com Víctor Fernández, castigado, "blackout" em protesto contra os critérios punitivos da Comissão Disciplinar da Liga (dura desde o passado dia 11 e pode terminar hoje).

Seguidores em PortugalA atitude recorrente do clube portista e outros casos isolados (em Novembro o Nacional calou-se dada a "necessidade de dar tranquilidade ao plantel", em Dezembro o Beira-Mar calou-se de forma a "concentrar" as tropas) ajudam a colocar a SuperLiga no pódio dos mudos da Europa, onde a Itália surge como líder destacado. Na Série A, os clubes usam e abusam do silêncio. Todos os anos dois ou três clubes adoptam o "blackout" contra a imprensa, sendo a Lazio e a Juventus, envolvida num caso de doping, os clientes mais habituais.
Num registo mais selectivo surge o campeonato inglês, consciente das implicações negativas do "blackout", nomeadamente no que diz respeito à imagem propriamente dita: primeiro estão as receitas, o "merchandising" e compromissos anuais de jogadores com marcas e jornais.

Selectividade à inglesaFugirá à regra Alex Ferguson, que deixou de falar à BBC desde que o canal exibiu um documentário sobre Jason Ferguson e as vantagens de ser empresário e filho do treinador do Manchester United, mas o certo é que em Inglaterra o "blackout" é praticamente um monopólio da selecção da casa, que não ganha nada importante desde o Mundial de 1966. A imprensa britânica está sempre de olho no "blackout" desportivo (a desinspiração), a Inglaterra responde com um "blackout" informativo (David Beckham é um dos habituais instigadores, Gary Neville, padrinho do Spice-casamento, um dos seguidores), a imprensa contra-ataca com títulos sensacionalistas. "É um assunto triste. E instrutivo porque revela muito da atitude de algumas estrelas e a desertificação de ídolos de algumas equipas", escreve Scott Murray no "Guardian". "Muitos fãs interpretarem o silêncio como um sinal de indiferença. Petulância que só danifica a percepção que os adeptos têm do futebol", acrescenta Ian Ridley, no "Guardian".
Nos clubes ingleses manda a indústria. Assim como no campeonato espanhol onde a palavra "blackout" ("lei del silencio"?) se encontra diluída no dicionário futebolístico. Um bom exemplo que inspira o presidente da FIFA Sepp Blatter, "preocupado" com o fenómeno. "Os protagonistas devem comunicar, estamos na era das comunicações. Temos que saber aceitar as críticas como os elogios", sublinha Blatter, que prefere encorajar o diálogo nas chamadas "zonas mistas" a criar regulamentos que obriguem os jogadores a falar contra a sua vontade. Refira-se que em Portugal, como nos principais campeonatos europeus, os regulamentos obrigam apenas os jogadores e treinadores a participarem em pequenas entrevistas no final das jornadas.

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