Guetos étnicos nascem nos subúrbios pobres franceses

Muitos bairros pobres dos subúrbios das grandes cidades francesas estão a tornar-se verdadeiros guetos étnicos e religiosos, avisa um relatório dos serviços secretos internos, Renseignements Généreaux (RG), entregue há um mês ao Ministro do Interior, Dominique de Villepin. Trata-se de sectores inteiros da sociedade que vivem em autarcia social e cultural, à margem da República francesa. Segundo este documento, que foi revelado pelo jornal "Le Monde", cerca de 300 bairros desfavorecidos e onde existe uma forte concentração de populações imigrantes da África do Norte, vivem um "inquietante retiro comunitário". Cortados do resto da sociedade francesa, os habitantes destes guetos são vulneráveis a um surto do Islão radical. Mais de 1,8 milhões de pessoas que vivem nestes guetos estariam assim ameaçadas por um fiasco total da política de integração conduzida pela França em relação às populações imigradas. E a nova política urbana, que consiste em arrasar estes bairros, não consegue dispersar estas parcelas marginalizadas da sociedade.O estudo incidiu em 630 bairros de renda social vigiados de perto pelos RG desde há vários anos, por causa dos problemas de violência neles encontrados. Os autores retiveram oito critérios para considerarem se um bairro está em vias de se transformar num gueto: existência de um número importante de famílias de origem imigrante e eventualmente praticando a poligamia, de comércios étnicos, associações comunitárias, multiplicação dos locais de culto muçulmanos, porte de trajes religiosos ou orientais, "graffitis" anti-ocidentais ou anti-semitas, número de turmas com alunos que não falam francês, e dificuldade para o bairro em guardar os seus habitantes de origem francesa ou europeia. Para os RG, a constatação de diversos destes critérios num bairro constitui um indício de "recesso, ou de fecho, comunitário".Os serviços secretos evocam ainda a situação das mulheres "frequentemente vítimas de injúrias e de violências", e práticas culturais que se "afastam das tradições de sociedade em França". O relatório alerta para "a subsistência de ritos culturais e de modos de vida tradicionais" e para o aparecimento de "de modos de regulação social dos conflitos, paralelos aos das instituições" francesas. Outro sinal inquietante, segundo os RG: a multiplicação de associações organizadas em "função da origem étnica dos participantes".Entre as evoluções constatadas, figura o papel crescente dos "predicadores islamistas radicais" e o "proselitismo integrista". As estruturas islamistas superam as lacunas de infra-estruturas nestes bairros, que trinta anos de política urbana nunca chegaram a criar. Os islamistas abrem clubes desportivos, infantários e associações que dão explicações aos alunos e assistência aos idosos. Paralelamente, as autoridades verificam um aumento das escolas corânicas, algumas delas instaladas até em infantários. Mas o sociólogo Didier Lapeyronnie, interrogado pelo "Monde", recusa o qualificativo de "recesso comunitário": "Que há um recesso nos bairros é uma evidência, mas não é de forma alguma comunitário. Se assim fosse, este fecho sobre si mesmo traduzir-se-ia por uma capacidade colectiva de solidariedade e de unidade cultural. Mas a realidade é pior do que isso: o recesso faz-se para dentro do gueto, que é um local vazio de sentido". Os professores franceses constatam um questionamento do ensino de certas disciplinas como ciências naturais, história, desporto, e tentativas de pressões cada vez mais fortes para que as raparigas usem o véu islâmico e notam uma radicalização das práticas religiosas - Ramadão, interdições alimentares, etc. O racismo e o anti-semitismo banalizam-se também nestes bairros: "Não te vistas assim, pareces um português", ou : "Não deves ouvir música dos judeus", são hoje comentários ouvidos com frequência, nota Didier Lapeyronnie, quando eram impensáveis há vinte anos.

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